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Zappa chega em doses mensais e quase completo ao Brasil
FÁBIO MASSARI
especial para a Folha
Atenção amantes dos bons sons
e diletantes de carteirinha: não deixem de se matricular em um dos
mais explosivos e completos cursos sobre a boa música do século.
O delírio de interdisciplinaridade você encontrará no pacotão
Frank Zappa, que a gravadora Eldorado colocou desde o mês passado no mercado. Os discos saíram
com o carimbo da Rykodisc americana, que, com o Zappa Family
Trust, administra o legado do músico. Na semana que vem, chegam
os CDs "Apostrophe", "Does Humor Belong in Music?", "Hot Rats"
e "One Size Fits All".
Serão lançados aproximadamente 60 títulos -o catálogo oficial quase completo-, em ritmo
de quatro por mês.
Trata-se de uma iniciativa de
mercado inédita e louvável, principalmente se considerarmos o perturbador fator de risco de uma
operação desse porte, por ser um
produto difícil como Zappa.
Quem vai tocar? Será que quem
gosta já não tem os discos? Sem divagações: nada disso vale para
Zappa. Essa é a primeira vez que a
obra do compositor merece esse tipo de tratamento correto. Decência afinal. Respeito.
Em aproximadamente um ano e
meio, ao custo de cerca de R$
1.500, você será conduzido pelo
maestro Zappa, pela labiríntica e
quase sempre surrealista visão da
história musical contemporânea.
Não faltará diversão. Por conta
de suas críticas impagáveis, não
faltarão as deliciosas hecatombes
orgânicas detonadas pelos seus delírios musicais e estéticos.
Os discos não serão lançados em
ordem cronológica, possibilitando
ao consumidor e ao aluno contatos
transversais com a obra "caleidoscópica" do binômio nariz-bigode
mais emblemático do rock'n'roll.
A esta altura do campeonato, você já ouviu falar que Zappa foi um
gênio e que bateu de frente com
"establishments" e tradições para
garantir sua liberdade de fazer e de
dizer o que quisesse.
Em tempos de vacas confusas no
rebanho sonoro do nosso fim de
século, ouvir Frank Zappa é uma
espécie de bálsamo milagroso. Conheça abaixo os discos do primeiro pacote.
²
"Zoot Allures' (76)
É um clássico tardio da enorme
discografia de Zappa. Precedido
por discos essenciais como "One
Size Fits All" e "Bongo Fury", o álbum não foi uma unanimidade na
época. Mas o tempo lhe garantiu
um lugar especial entre os fãs.
Captain Beefheart quase participou e dois dos fotografados na capa, Eddie Jobson e Patrick
O'Hearn, não estão no disco.
É um álbum de grandes momentos. A faixa-título abriu muitas
apresentações de Zappa e "Black
Napkins", gravada ao vivo no Japão, é uma das inúmeras pérolas
do repertório zappiano.
Destaque para a cultuada "The
Toratuare Never Stops", dedicada
ao amigo de infância Don Van
Vliet, o Captain Beefheart. Maestria nos overdubs nesse mergulho
nas profundezas da solidão humana e... sussurros, gritinhos e espasmos sexuais... sem comentários.
²
"The Grand Wazoo' (72)
No começo dos anos 70, o Rainbow Theatre de Londres serviu de
palco para um show mais do que
especial de Frank Zappa. Um show
capital, em muitos sentidos, para o
músico. Foi ali que um fã enciumado arremessou Frank para fora do
palco, colocando-o em uma cadeira de rodas por um bom tempo (e
contribuindo para acentuar a acidez de suas idéias). "The Grand
Wazoo" é o disco da convalescência de Zappa. Um grande disco.
Com delirante capa do parceiro
gráfico de Zappa, Cal Shenkel, o
disco é um dos "conceituais" das
obras zappianas. Trata da lenda de
Cletus Awreetus-Awrightus e seu
exército de músicos e das batalhas
contra os Mediocratas da Orquestra de Pedestrium.
A faixa-título é grandiosa, espetacular arranjo de big band razoavelmente descontrolada com grandes participações individuais.
Aliás, o disco conta com pesos pesados, como o baterista Ainsley
Dunbar e o tecladista de jazz George Duke.
"Blessed Relief" é um bom momento do disco, com destaque para o trompete de Sal Marquez e para o histórico baixista Erroneous.
Uma viagem musical fora do
tempo. Disco obrigatório.
²
"Sheik Yerbouti' (79)
Provavelmente o mais conhecido
disco de Frank Zappa. Chegou ao
21º lugar na parada americana e ao
32º, na inglesa. Disco de ouro.
Uma espécie de triunfo pessoal para Zappa, com sobras para o ventilador de quase todo o mundo.
Mais um primor de produção sobre uma estrutura ao vivo, com direito a registros de shows no lendário Hammersmith Odeon londrino, palco de grandes apresentações de Zappa.
É um disco de rock com um pouco de tudo: do tango ao gospel,
mais funk, disco, metal (?)...
Brilham muito o baterista Terry
Bozzio, o baixista Patrick O'Hearn
e o guitarrista Adrian Belew (David Bowie e King Crimson). Zappa
está inspiradíssimo.
É um disco de inúmeras "prediletas", de vários "sucessos" e de alguns parênteses guitarrísticos de
arrepiar. Sátiras, avacalhações e
derivados dão o recado.
Destaques? "Rat Tomago", "Yo
Mama" e "I Have Been In You". E
também "Dancing Fool", "Jewish
Princess" e "Jones Crusher".
²
"Cheap Thrills' (98)
No meio deste ano, a Rykodisc
"elevou" à categoria de "mid price" 20 títulos do catálogo zappiano. Como suporte "estratégico",
bolou a coletânea "Cheap Thrills",
40 e tantos minutos de momentos
especiais de Zappa, mais faixa interativa, por preço camarada.
Primeiro as más notícias: o disco
sai por aqui com preço normal e
vem embaladíssimo em uma "briga" comprada por fãs radicais.
A reclamação é simples e procede: até agora, pouco se viu de realmente inédito e precioso dos vastos arquivos de Zappa.
É coletânea em cima de coletânea, com material que pode ser garimpado em edições antigas, limitadas etc.
Os incontáveis registros de
shows, experimentações de estúdio, jams, trilhas continuam trancados a várias chaves.
A boa notícia? É uma excelente
coletânea.
Só a megalista dos músicos ouvidos no disco já causa espanto: Captain Beefheart, Terry Bozzio, George Duke, Fowler Bros., Howard
Kaylan (Turtles), Don Preston, Ike
Willis, Steve Vai...
São, em sua grande maioria, clássicos em versões alternativas. Destaque para a versão original (altamente intoxicada) de "The Torture
Never Stops", com Captain Beefheart, e para a versão ao vivo de
"Joe's Garage".
²
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Fábio Massari, 34, é VJ da MTV Brasil e apresentador do programa "Lado B".
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