São Paulo, Terça-feira, 19 de Outubro de 1999
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CINEMA MOSTRA DE SP
"Sou Positivo" provoca ao tratar da Aids

ESTHER HAMBURGER
especial para a Folha

"Sou Positivo", segundo longa de Cristiano Bortone, diretor italiano formado nos Estados Unidos, trata a Aids de maneira provocante. A comédia de humor negro que tem sua estréia mundial na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, vem causando polêmica na Itália antes mesmo de seu lançamento comercial.
O filme conta a história de um "marido", sua "esposa", "o irmão" gay dela e "o amigo" aproveitador recolhido pelo casal, uma família pouco usual. A descoberta de que cada um dos personagens caricatos é portador do vírus força a revelação de um intrincado jogo de relações que extrapola a formalidade dos papéis sociais estabelecidos.
Um pouco como "A Vida é Bela" de Roberto Benigni, "Sou Positivo" trata um assunto sofrido com irreverência. Aqui, a epidemia do fim do século serve de mote para mostrar não o definhar terrível, inevitável e previsível dos portadores do vírus, mas para um movimento que os libera das obrigações de uma existência convencional, hipócrita e infeliz.
Sem deixar de ironizar a incapacidade da ciência médica em solucionar o problema da doença, ou de denunciar o alijamento social a que os aidéticos são em geral submetidos, o filme opta por uma narrativa leve sobre saídas individuais - e familiares - possíveis.
"Sou Positivo" não flui de maneira regular. O filme começa bem e cai. Mas volta a crescer na última parte, quando na impossibilidade de derrotar a doença com o tradicional bombardeio medicinal, os personagens reinventam suas relações e incorporam a convivência com o vírus em seu cotidiano.
Segundo Daniele Mazzocca, produtor e representante do filme na Mostra, "Sou Positivo" causa polêmica porque lida com pré-conceitos culturais e de formato. Essa combinação não foi bem recebida no Festival de Veneza, que não aceitou o filme por considerá-lo comercial.
A produção independente e barata destoa do padrão grandioso que caracteriza a cinematografia italiana. Mazzocca define o trabalho como um "filminho" porque foi rodado em apenas três semanas e às custas da colaboração dos atores, que não receberam salários - um pouco ao estilo da produção independente nova-iorquina. O filme só obteve apoio institucional na atual fase de distribuição.
"Sou Positivo" tem vários pontos de contato com o Brasil. A segunda e mais divertida parte da história, que se passa em um paraíso tropical, foi rodada em Angra dos Reis. O projeto de fazer um filme que tratasse da Aids surgiu depois do fracasso de uma iniciativa do diretor de fazer um documentário sobre um travesti brasileiro na Itália.
Talvez a maior provocação seja a de retratar paroxismos da masculinidade latina, conhecida no mundo como paradigma de machismo, mas que, como demonstram os altos índices de contaminação de mulheres casadas, contempla a bissexualidade.
Não é fácil falar sobre Aids. A doença Já foi tratada em inúmeras películas a partir de perspectivas diversas. "Sou Positivo" vale pelo enfoque original.


Avaliação:    

Filme: Sou Positivo (Sono Positivo) Direção: Cristiano Bortone Produção: Itália, 1999, 96 min Onde: hoje, às 16h, no Masp Outra exibição na mostra: dia 24


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