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"AQUI, ALI, EM QUALQUER LUGAR"
Rita reflete sobre seu passado cantando Beatles
DA REPORTAGEM LOCAL
Em 1970, na Inglaterra, os Beatles se despediram definitivamente do mundo. Sua obra ficaria
para sempre congelada em 13 discos oficiais, definitiva e imutável.
Dois anos depois, no Brasil, Rita
Lee se despediu dos Mutantes, talvez o grupo que, no mundo todo,
mais soube retrabalhar e ampliar
a brutal influência dos Beatles
pós-LSD, no mundo pós-LSD, no
mundo flower power.
O fim dos Mutantes foi adiado,
mas ele era provavelmente definitivo, também. Ficaram cinco discos oficiais, mais dois supostos
LPs solo de Rita Lee, definitivos e
imutáveis, hoje até conhecidos
portas do Brasil afora.
Assim é que, quando Rita Lee
inventa esse "Aqui, Ali, em Qualquer Lugar", tudo a princípio parece fora de propósito, marketing
de dono de gravadora, repetição e
redundância, beco sem saída.
Há que se entender, no entanto,
o que significa Rita Lee confessar
que está publicamente se reconciliando com os Beatles, depois de
tê-los negado em prol de hard
rock, de glitter rock, de pop goma
de mascar, de marchinha carnavalesca feita na fôrma do bolo.
A reconciliação é, obviamente,
com os anos perdidos de "vulcão
criativo", com os Mutantes, com a
juventude. É fato que isso vem se
dando em seus discos mais recentes, devagarinho. Mas, em "Aqui,
Ali, em Qualquer Lugar", muito
por esforço de produção de Roberto de Carvalho, há mais que
um punhado de cançõezinhas de
amor delicadas moldadas na batida de violão de João Gilberto e, às
vezes, no piano de João Donato
(que participa de duas faixas, segundo Rita e Roberto sem jamais
haver ouvido "Lucy in the Sky
with Diamonds").
Há ao menos três faixas tipicamente mutantes. Quase um samba-rock, "A Hard Day's Night"
(64) é Jorge Ben filtrado pelos
Mutantes, prima-irmã de "A Minha Menina" (68), embora Rita
prefira dizer que parece mesmo é
Gilberto Gil. Tudo bem, estamos
falando de tropicalismo.
Depois, vem o tal baião do bode,
"I Want to Hold Your Hand" (63),
o grande achado do disco. Apropriação antropofágica, é Rita na
cartilha do tropicalismo, de Mutantes cantando "Chão de Estrelas", de Caetano, Gil e Gal barbarizando a influência beatle.
Por fim, a psicodélica "Lucy in
the Sky with Diamonds" (67) é o
exercício de síntese. Tropicalismo, para Rita Lee 2001, é bossa velha mais a sincronia certinha (ou
melhor, retrô) dos Beatles. O piano de João Donato inicia-a em pique de "Águas de Março" (72),
mas o refrão entrega Rita à vozinha coquete da menina dos Mutantes, da fã irresponsável de Brigitte Bardot, Jane Birkin, Françoise Hardy e Marianne Faithfull
-estamos falando de bossa nova.
Há ainda algum desvio de conduta em "She Loves You" (62),
mas de resto tudo é mais linear.
Canções bonitinhas vão sendo
transformada em "bossa'n'roll",
coisa que Rita descobriu há dez
anos, no show/disco de mesmo
nome. É uma fórmula que a permite adocicar a voz, cantar baixinho, andar de mãos dadas com
Nara Leão e Astrud Gilberto.
As versões ensaiam a rebeldia
que nunca há de se perder e encaixam pequeninos versos tolos em
pronunciamentos políticos de
"Tudo por Amor" ("Can't Buy me
Love", 64), "Pra Você Eu Digo
Sim" ("If I Fell", 64), "Minha Vida" ("In My Life", 65), "Aqui, Ali,
em Qualquer Lugar" ("Here, There and Everywhere", 66). Soam
desajustados, sacrílegos (diriam
os crédulos), de cara dá vontade
de brigar com Rita Lee -ou com
os Beatles, que espalharam as letras tolas pelo mundo a partir de
62. O iê-iê-iê nunca saiu da moda.
É passadista a revisão de Rita
Lee e Roberto de Carvalho? É, totalmente passadista. Mas que não
se confunda reflexão sobre o passado com o passado em si, ou com
gratuito passadismo.
Deixados de lado os Beatles, é à
luz da conciliação de Rita Lee com
os Mutantes (ou melhor, com seu
passado aqui, ali ou em qualquer
lugar) que este pequeno disquinho comercial e os presentes depoimentos de Rita devem ser notados. Se tiver paciência, experimente voltar ao que ela diz à página 1 da Ilustrada, trocando Beatles por Mutantes.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Aqui, Ali, em Qualquer Lugar
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Artista: Rita Lee
Lançamento: Abril Music
Quanto: R$ 20 (preço máximo sugerido
pela gravadora)
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