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25ª MOSTRA BR DE CINEMA DE SÃO PAULO
"O QUARTO DO FILHO"
Filme do diretor italiano, vencedor da Palma de Ouro em Cannes, passa hoje, amanhã e domingo
Moretti evoca todos os sentimentos do mundo
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Mesmo para quem não
acompanha a carreira de
Nanni Moretti, "O Quarto do Filho" constitui uma surpresa. Os
primeiros minutos do filme resumem o que tem sido a carreira recente do italiano.
Giovanni é um psicanalista feliz,
com uma família feliz, que escuta
os dramáticos relatos de seus pacientes com distância profissional
e, caso dê um conselho, é mais ou
menos o que encontramos em
seus filmes. É o seu procedimento: manter-se aberto ao mundo,
deixar as antenas ligadas, permitir
que as coisas cheguem a nós.
É uma receita de humor: o pasmo, a descoberta, a aventura estão
implícitos nela. Suspende-se o juízo para que os olhos (e os sentidos
em geral) possam trabalhar, absorver as coisas tal qual são.
Eis que essa existência idílica é
atingida por uma tragédia: a morte acidental do filho. É difícil conceber dor humana maior. A vida
da família transforma-se subitamente. Como estar aberto às coisas, se elas parecem já não fazer
sentido? Se falta um lugar à mesa?
Moretti transita da comédia ao
melodrama sem intermediários.
Ou antes: o único intermediário é
a própria psicanálise, pois, para
Giovanni, coloca-se de imediato a
questão de como tratar seus pacientes, se sua cabeça está em outro lugar? A psicanálise é a ciência
mais atacada desde o fim do século 20. Contra ela move-se uma
verdadeira guerra biológica, com
pílulas dos mais variados tipos
dispondo-se a varrer o inconsciente para debaixo do tapete.
Que sentido tem, pergunta-se,
um tratamento longo, caro, desgastante, que coloca o paciente
em confronto com a sociedade,
quando pílulas prometem solução rápida e rasteira para os problemas e pleno ajuste a uma sociedade que cada vez menos precisa
de dissidências de qualquer tipo?
Essa questão permeia "O Quarto do Filho", pois a dor e o luto se
impõem com tal violência que nada parece aliviar o sofrimento familiar, a não ser o tempo, a sucessão de acontecimentos que, aos
poucos, nos leva a prosseguir na
vida, não esquecendo, mas dando
um lugar ao ente perdido.
O cinema de Moretti adquire
uma gravidade até aqui insuspeitada, pois afirma a vida para além
de qualquer ciência humana (embora deixe uma porta aberta à psicanálise). Ao mesmo tempo em
que convoca todos os sentimentos do mundo, este filme não configura uma traição aos anteriores.
Se "Caro Diário" era um diário
bem-humorado; se "Aprile" cruzava o momento político italiano
com o nascimento de um filho, "O
Quarto do Filho" inverte os dados, mas não os distorce.
Até aqui havia um autor sujeito
de seus filmes, como que a dominar e contemplar o espetáculo do
mundo. Agora o mundo se abate
sobre esse autor, atinge-o, frustra-o de modo irreparável. No entanto, esse mundo está lá, e é como se
Moretti nos lembrasse de que a
dor, a perda, a morte fazem parte
dele tanto quanto o riso: ambos
sugerem diálogo, postura, vontade de sobrevivência, de superação. Não, claro, a superação proposta pelo mundo da competição
em que se vive, mas essa superação que consiste em voltar a si
mesmo, em conhecer a si mesmo
para conhecer as coisas fora da ciranda de idéias feitas.
O Quarto do Filho
La Stanza del Figlio
Direção: Nanni Moretti
Produção: Itália, 2000
Com: Nanni Moretti e Laura Morante
Quando: hoje, às 22h15, no Unibanco
Arteplex; amanhã, às 21h40, no Espaço
Unibanco; e domingo, às 15h35, no
Cinearte
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