São Paulo, terça-feira, 19 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Como nossos pais

Moacyr Lopes Jr./Folha Imagem
A produtora e atriz Djin Sganzerla, filha de Rogério Sganzerla, em SP


Segunda geração de cineastas povoa cinema nacional


Herdeiros de Rogério Sganzerla, Hugo Carvana, Leon Hirszman e Ruy Guerra se aventuram na direção


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Família na sala, TV ligada, hora da novela. Comentário do pai: "Que horror esse plano [enquadramento]!". Na memória da infância de Djin Sganzerla, as observações ouvidas em casa eram sempre diferentes, por mais convencional que fosse a situação, como a de assistir a uma novela.
Hoje, aos 27 anos, já conhecida como atriz (profissão também de sua mãe, Helena Ignez, musa dos autores radicais desde o cinema novo), Djin ensaia os passos na carreira do pai, o cineasta Rogério Sganzerla (1946-2004).
Com o projeto do curta "Peixe Pequeno", Djin concorre a um dos 25 prêmios (de R$ 60 mil cada um) que o Ministério da Cultura (MinC) dará neste ano para a realização de curtas-metragens.
"Peixe Pequeno" é sobre o romance de um jornalista com uma refinada mulher que disfarça na atividade de marchand de artes sua atuação numa rede internacional de tráfico.
A idéia do filme surgiu da leitura de uma notícia de jornal, de onde Rogério Sganzerla tirou também a inspiração para realizar seu maior clássico, "O Bandido da Luz Vermelha" (1968).
Na adolescência, Djin chegou a pensar em construir "uma carreira sólida, segura, distante" do caminho de seus pais. Pretendeu estudar psicologia. Aos poucos, percebeu-se "naturalmente guiada" para a arte, por causa de sua "criação completamente diferente da convencional, dos valores aprendidos, do olhar sobre as coisas".
A atriz e futura cineasta diz que o prestígio dos pais e as inevitáveis comparações com sua carreira não a intimidam. "Penso que uma pessoa pode se tornar muito talentosa, mas só é genial quem nasce assim. Acho que não nasci genial, mas filha de pessoas que fizeram trabalhos geniais. Eu me sinto abençoada por isso."
Ao lado de "Peixe Pequeno" no concurso do MinC há uma lista de projetos assinados pela segunda geração de sobrenomes famosos no cinema brasileiro. Pedro Carvana, filho de Hugo Carvana ("Vai Trabalhar, Vagabundo"), concorre com "Deus Vai nos Ajudar"; João Pedro Hirszman, filho do diretor de "Eles Não Usam Black Tie", Leon Hirszman (1937-1987), apresentou "Domingo de Praia".

Herdeiras
As herdeiras de Ruy Guerra ("Os Fuzis") também se aventuraram. Janaina Diniz, filha de Leila Diniz (1945-1972), disputa o prêmio com "Semba", e Dandara Ohana Diniz, filha de Cláudia Ohana, escolheu adaptar uma crônica que o pai havia escrito para ela, "Uma Tarde de Inverno entre Pai, Filha e Chocolate".
"É espantoso que a gente vá atrás da profissão dos pais", diz Pedro Carvana, 35. O espanto, ele explica, vem da certeza de que, para a geração precedente, "cinema nunca deu dinheiro".
Carvana, o filho, enumera as lembranças de épocas de "dívidas homéricas" que os pais fizeram para realizar seus filmes, quando "o telefone em casa tocava o dia todo", e chega à situação atual, em que "o Carvanão, com a carreira que tem, vive num apartamento alugado e só tem uma propriedade no interior do Rio".
Ainda assim, ele diz que vai pelo mesmo caminho porque é o que sabe fazer melhor. Casado com a atriz Juliana Teixeira e pai do pequeno João, Pedro Carvana usa sua casa/escritório para alavancar a produção dos filmes. Mas "segura a onda com o salário da TV Globo pingado todo mês". Na emissora, ele atualmente dirige o popstar do cinema nacional nos anos 80 Renato Aragão e sua "Turma do Didi".
A trama de "Deus Vai nos Ajudar" conta a ciranda de um trabalhador desdentado que não consegue emprego por conta de sua aparência e não consegue melhorar a aparência porque não tem emprego.
Uma faceta social da miséria é também o mote do filme de João Pedro Hirszman, 29, que decidiu ficcionalizar uma experiência de sua infância, quando convenceu os pais a levarem para casa (por um dia) um garoto morador de rua que encontrou na praia.
Hirszman discorda de Carvana sobre as perspectivas do cinema como profissão. "Eu vejo cineastas hoje ganhando bastante dinheiro. Acho que é possível ficar rico com cinema no Brasil", diz, mas pontua: "Embora, se alguém começar com esse objetivo, na minha opinião, está indo pelo caminho errado".
Morando em Belo Horizonte (MG), Hirszman atua na empresa da família (de distribuição de produtos de higiene). Além de "pagar as contas", o trabalho na condição de proprietário permite que ele reserve tempo também para se dedicar ao cinema "por prazer".


Texto Anterior: Programação
Próximo Texto: Sobrenomes famosos na tela estão à prova
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.