São Paulo, Sexta-feira, 19 de Novembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LITERATURA

Livro recém-lançado nos EUA traz longa entrevista com o diretor de "O Pecado Mora ao Lado"

Billy Wilder, cínico, entrega Billy Wilder

AMIR LABAKI
da equipe de articulistas



"Conversations with Wilder", recém-lançado nos EUA, ilumina pontos obscuros da vida do cineasta Billy Wilder, por meio de sua própria narração. Nascido Samuel Wilder, em 22 de junho de 1906, numa família da burguesia judaica austríaca, ganhou da mãe o apelido de Billy, já que seu irmão mais velho virara Willy. Ao contrário do mito, jamais iniciou o curso universitário de direito antes de se tornar o mais incansável entrevistador de celebridades de Viena (até Freud o pôs para correr).
Um caso fugaz de juventude, com uma prostituta chamada Ilse, tampouco foi o grande amor de sua vida e, apesar de escrever já em Berlim uma série de reportagens sobre suas experiências como dançarino de salão, jamais Wilder foi um gigolô profissional. Pela primeira vez, ele rompe o laconismo para recordar a morte em Auschwitz de sua mãe e do padrasto que nunca conheceu.
É esse o verdadeiro trauma que divide sua vida. Wilder fugiu da Berlim já hitlerista, em 1933, pouco depois do incêndio do Reichstag, deixando para trás uma promissora carreira de roteirista. Ficou uns tempos em Paris, estreando lá como diretor ("Mauvaise Graine"), mas, já no início de 1934, seguia os passos do irmão, indo tentar a vida nos EUA.
No mesmo ano, Wilder debutava em Hollywood como roteirista em "Music of the Air", do também recém-chegado Joe May. Um ano depois, visitava sua mãe pela última vez em Viena.
Não surpreende que seu segundo filme como diretor, depois de consagrar-se como a pena mais ácida entre os roteiristas ("Ninotchka"), tenha sido um dos primeiros longas do esforço de guerra antinazista, "Cinco Covas no Egito". Tampouco que um de seus maiores orgulhos seja o subestimado "Inferno nº 17". E, por fim, que "A Lista de Schindler" tenha sido o último projeto de filme pelo qual Wilder batalhou a sério, rendendo-se apenas depois de ouvir os argumentos definitivos de Steven Spielberg. (Em tempo: Billy considera Spielberg um dos grandes diretores em atividade e aplaude o filme.)
Wilder nos conduz também a um delicioso "tour" pelos bastidores de sua estupenda obra. Ele mesmo começa por renunciar a qualquer importância. "Minha única ambição era entreter. Entreter, não me repetir e fazer o menor número de erros", anuncia logo nas primeiras páginas.
Para ele, "wilderiano" é um adjetivo sem sentido. "Não desenvolvi um estilo próprio, com uma exceção, talvez: fazia tudo a sério, fosse uma comédia ou não."
Wilder considera exagerada sua classificação como o mais cínico dos cineastas hollywoodianos. "Irônico, talvez", diz. Apenas um de seus títulos mereceria a etiqueta do cinismo: "A Montanha dos Sete Abutres", sobre um repórter que fatura com o desnecessário adiamento do salvamento de um acidentado. "Era como o filme deveria ser", explica.
Entre seus filmes, segue a maioria e prefere "Se Meu Apartamento Falasse", "Quanto Mais Quente Melhor" e "Crepúsculo dos Deuses". Fala com carinho da colaboração com Jack Lemmon e Walther Matthau, mas não esconde sua admiração maior pelo talento de Charles Laughton ("Testemunha de Acusação").
Num raro "mea culpa", Wilder rende-se ao magnetismo de Marilyn Monroe ("Quanto Mais Quente Melhor"). "Ela foi sempre um quebra-cabeças sem solução." Só Audrey Hepburn ("Sabrina, Amor na Tarde") divide sua predileção por Marilyn.
No livro, Wilder reafirma que seu maior mestre foi Ernst Lubitsch (1892-1947), para quem co-roteirizou "A Oitava Esposa de Barba-Azul" (1938) e "Ninotchka" (1939). "O segredo de suas comédias era deixar o público somar dois mais dois", explica. Mas não é de Lubitsch seu filme predileto: "O Encouraçado Potemkin" (1927), de Sergei Eisenstein.




Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: Literatura/"Conversations With Wilder": Quanto mais Wilder melhor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.