São Paulo, Sexta-feira, 19 de Novembro de 1999
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LITERATURA/"CONVERSATIONS WITH WILDER"

Quanto mais Wilder melhor

da equipe de articulistas



"Conversations with Wilder", volume de entrevistas recém-lançado nos EUA, prova: poucas sagas foram tão intrinsecamente hollywoodianas quanto a de Billy Wilder, 93. Ele ganhou a vida como jovem repórter na Viena de Karl Kraus, tornou-se roteirista de cinema na Berlim de Brecht e Murnau, refugiou-se de Hitler na Hollywood dos grandes estúdios e provou que o cinema poderia ser sofisticado e popular como uma canção de Cole Porter ou George Gershwin.
Wilder ganhou seis prêmios Oscar e foi indicado outras tantas vezes. Escreveu todos os 26 filmes que dirigiu, feito sem paralelo dentro do sistema de estúdios, não igualado nem mesmo por Hitchcock, Ford, Hawks, Huston ou Mankiewicz. Ninguém ousou recorrer a protagonistas tão pouco ortodoxos. Entre suas personagens principais encontram-se uma estrela do cinema mudo que assassina seu jovem amante, um jornalista que leva à morte o protagonista de sua história, um bêbado inveterado e uma alegre prostituta.
Mortos nesta década Fellini, Kubrick e Kurosawa, o século do cinema encerra-se com Wilder ocupando sem concorrentes o trono de maior cineasta vivo. Nem assim Hollywood resgatou-o da aposentadoria a qual o condenou há quase 20 anos ("Amigos, Amigos" é de 1981). O troco vem agora.
Em "Conversations with Wilder", o papel de interlocutor cabe a outro cineasta, Cameron Crowe, 38. O título foi emprestado do livro clássico de Eckermann sobre Goethe. O modelo óbvio é o insuperável "Hitchcock-Truffaut" (Brasiliense, esgotado), o livro de entrevistas em que o mestre detalha minuciosamente seu processo de criação. Wilder e Hitchcock estão lá, ombro a ombro. Mas Crowe nem dá para a saída frente a Truffaut.
Como diretor, depois do simpático "Vida de Solteiro" (1992), um "Friends" "avant-la-lettre" passado em Seattle, Crowe cometeu "Jerry Maguire" (1996), com Tom Cruise como um agente ético. Antes dos filmes, Truffaut foi um dos grandes críticos de cinema do pós-guerra; Crowe não exatamente marcou época como repórter na "Rolling Stones".
Diga-se logo: "Conversations with Wilder" merecia uma edição menos frouxa. Os capítulos seguem o fluxo dos encontros entre Wilder e Crowe, recusando a didática organização cronológica segundo a filmografia do livro sobre Hitchcock. O resultado é algo confuso e repetitivo, saltando de exames gerais desordenados de filmes a velhas fofocas de estúdio, de perguntas práticas a questões biográficas, tudo temperado por uma detalhada, mas nem sempre envolvente, reconstrução dos bastidores das próprias entrevistas (a do depoimento durante uma ginástica é de longe a melhor).
O maravilhoso arquivo de fotos mobilizado para a edição poderia também ter sido melhor explorado. Não raro, o texto fala de um filme e as imagens ilustram outro. Há casos em que Crowe e Wilder conversam sobre uma foto perdida capítulos adiante.
O livro não segue, assim, as lições de clareza, estrutura e persuasão que nos traz da boca do próprio Billy Wilder. Pena, mas nada, como ninguém, é perfeito. Ainda assim, o material bruto torna o volume obrigatório.
O prazer maior é o de ouvir (aqui, ler) Wilder. É o grande triunfo do livro frente aos demais volumes recentes dedicados ao cineasta, da biografia autorizada já editada por aqui ("Billy Wilder e o Resto É Loucura", de Hellmuth Karasek, DBA, 1998) às duas últimas narrativas de sua vida publicadas nos EUA ("On Sunset Boulevard - The Life and Times of Billy Wilder", de Ed Sikov, Hyperion, 1998, e "Wilder Times", de Kevin Lally, Henry Holt, 1996).
Mesmo nonagenário, o diretor de "Quanto Mais Quente Melhor" nada perdeu do humor ácido que originou algumas das frases e situações mais divertidas da história do cinema. Wilder confirma-se no livro como seu maior personagem: dionisíaco, erudito, ranzinza, culturalmente conservador, curioso de tudo e de todos.
(AMIR LABAKI)



Avaliação:    


Livro: Conversations with Wilder
Autor: Cameron Crowe
Editora: Knopf
Quanto: R$ 87,50 (378 págs.)
Onde comprar: www.livcultura.com.br




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