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LITERATURA/"CONVERSATIONS WITH WILDER"
Quanto mais Wilder melhor
da equipe de articulistas
"Conversations with Wilder",
volume de entrevistas recém-lançado nos EUA, prova: poucas sagas foram tão intrinsecamente
hollywoodianas quanto a de Billy
Wilder, 93. Ele ganhou a vida como jovem repórter na Viena de
Karl Kraus, tornou-se roteirista
de cinema na Berlim de Brecht e
Murnau, refugiou-se de Hitler na
Hollywood dos grandes estúdios
e provou que o cinema poderia
ser sofisticado e popular como
uma canção de Cole Porter ou
George Gershwin.
Wilder ganhou seis prêmios Oscar e foi indicado outras tantas vezes. Escreveu todos os 26 filmes
que dirigiu, feito sem paralelo
dentro do sistema de estúdios,
não igualado nem mesmo por
Hitchcock, Ford, Hawks, Huston
ou Mankiewicz. Ninguém ousou
recorrer a protagonistas tão pouco ortodoxos. Entre suas personagens principais encontram-se
uma estrela do cinema mudo que
assassina seu jovem amante, um
jornalista que leva à morte o protagonista de sua história, um bêbado inveterado e uma alegre
prostituta.
Mortos nesta década Fellini,
Kubrick e Kurosawa, o século do
cinema encerra-se com Wilder
ocupando sem concorrentes o
trono de maior cineasta vivo.
Nem assim Hollywood resgatou-o da aposentadoria a qual o condenou há quase 20 anos ("Amigos, Amigos" é de 1981). O troco
vem agora.
Em "Conversations with Wilder", o papel de interlocutor cabe
a outro cineasta, Cameron Crowe,
38. O título foi emprestado do livro clássico de Eckermann sobre
Goethe. O modelo óbvio é o insuperável "Hitchcock-Truffaut"
(Brasiliense, esgotado), o livro de
entrevistas em que o mestre detalha minuciosamente seu processo
de criação. Wilder e Hitchcock estão lá, ombro a ombro. Mas Crowe nem dá para a saída frente a
Truffaut.
Como diretor, depois do simpático "Vida de Solteiro" (1992), um
"Friends" "avant-la-lettre" passado em Seattle, Crowe cometeu
"Jerry Maguire" (1996), com Tom
Cruise como um agente ético. Antes dos filmes, Truffaut foi um dos
grandes críticos de cinema do
pós-guerra; Crowe não exatamente marcou época como repórter na "Rolling Stones".
Diga-se logo: "Conversations
with Wilder" merecia uma edição
menos frouxa. Os capítulos seguem o fluxo dos encontros entre
Wilder e Crowe, recusando a didática organização cronológica
segundo a filmografia do livro sobre Hitchcock. O resultado é algo
confuso e repetitivo, saltando de
exames gerais desordenados de
filmes a velhas fofocas de estúdio,
de perguntas práticas a questões
biográficas, tudo temperado por
uma detalhada, mas nem sempre
envolvente, reconstrução dos
bastidores das próprias entrevistas (a do depoimento durante
uma ginástica é de longe a melhor).
O maravilhoso arquivo de fotos
mobilizado para a edição poderia
também ter sido melhor explorado. Não raro, o texto fala de um
filme e as imagens ilustram outro.
Há casos em que Crowe e Wilder
conversam sobre uma foto perdida capítulos adiante.
O livro não segue, assim, as lições de clareza, estrutura e persuasão que nos traz da boca do
próprio Billy Wilder. Pena, mas
nada, como ninguém, é perfeito.
Ainda assim, o material bruto torna o volume obrigatório.
O prazer maior é o de ouvir
(aqui, ler) Wilder. É o grande
triunfo do livro frente aos demais
volumes recentes dedicados ao cineasta, da biografia autorizada já
editada por aqui ("Billy Wilder e o
Resto É Loucura", de Hellmuth
Karasek, DBA, 1998) às duas últimas narrativas de sua vida publicadas nos EUA ("On Sunset Boulevard - The Life and Times of
Billy Wilder", de Ed Sikov, Hyperion, 1998, e "Wilder Times", de
Kevin Lally, Henry Holt, 1996).
Mesmo nonagenário, o diretor
de "Quanto Mais Quente Melhor"
nada perdeu do humor ácido que
originou algumas das frases e situações mais divertidas da história do cinema. Wilder confirma-se no livro como seu maior personagem: dionisíaco, erudito, ranzinza, culturalmente conservador, curioso de tudo e de todos.
(AMIR LABAKI)
Avaliação:
Livro: Conversations with Wilder
Autor: Cameron Crowe
Editora: Knopf
Quanto: R$ 87,50 (378 págs.)
Onde comprar: www.livcultura.com.br
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