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"SEDA PURA"
Simone procura expurgar imagem brega
DA REPORTAGEM LOCAL
Simone, 51, vive um ritual já
conhecido, de intérpretes que
fizeram carreiras inteiras sob o
apoio do popularesco e, na maturidade, sentem necessidade de
passar por algum processo de sofisticação.
Isso foi ensaiado por ela em "Fica Comigo Esta Noite" (2000),
que reunia serestas, repertório
clássico da música popular brasileira e momentos de "nova MPB"
(de Zeca Baleiro e Lenine).
Agora, em "Seda Pura", esse
mesmo esforço se volta para o
pop-rock nacional dos anos 80
adiante, com faixas inéditas e/ou
regravadas de Cazuza, Frejat, Carlinhos Brown, Samuel Rosa e até
uma descoberta, o maranhense
Zé de Riba.
A impressão de necessidade de
expurgar a imagem brega nem
vem tanto do repertório que, desde o início, em 73, apoiado no
samba, em Hermínio Bello de
Carvalho e em João de Aquino, visitou quase tudo da MPB contemporânea.
Mas é que, dos anos 80 em diante, Simone se vestiu de cantora de
lençóis, de repertório romântico
puxado para o kitsch, quase um
Roberto Carlos mulher. Aí, não
importava o que cantasse, parecia
sempre a mesma coisa -e estragos assim ela causou até no rock
nacional, gravando "O Tempo
Não Pára" (de Cazuza), em 88, ou
uma versão odiosa de "Será" (da
Legião Urbana), em 91.
Aí, tudo era enquadrado num
formato romântico-açucarado
interpretado com monotonia por
sua voz, ardente como as das cantoras de sua Bahia natal. Para isso
concorria, também, o marketing
mais de imagem que musical, de
insistentes aparições nos programas de lavagem cerebral de Xuxa,
um indesculpável disco de canções de Natal (lançado em 95) e
outro só em espanhol Mercosul
(em 98).
Se há algo diferente na Simone
de "Seda Pura", então, é menos a
tal investida pop-rock que a aparente desistência do comercialismo desabalado e açucarado. E é,
principalmente, sua inteligência
em domar os excessos exibicionistas na voz. Quase independentemente do que esteja cantando
em "Seda Pura", Simone faz um
disco discreto e elegante, que
honra o que de melhor ela conseguiu fazer em 28 anos de carreira.
Assim, pode até ser justificável a
presença deslocada de "Caso Encerrado" (Paulinho da Viola-Toquinho) -a releitura é mediana,
mas o samba é, afinal, sua origem.
A brega-cult "Muito Estranho",
de Dalto e Cláudio Rabello, veio
para substituir "Preciso Chamar
Sua Atenção", gravada, mas vetada pelo co-autor Roberto Carlos,
outrora seu cúmplice nos temas
de camas macias. Parece deslocada também (além de arrastada),
mas não se se lembrar que era de
Dalto "Morena", a primeira faixa
de seu primeiro álbum individual.
Outra característica benigna
que Simone ressuscita em "Seda
Pura" é a de ser desbravadora. As
duas faixas de Zé de Riba (em especial a contundente "www.sem",
um original "coco de protesto")
são as que melhor justificam a
existência do disco.
O mesmo efeito se obtém de
"Cofre de Seda" -talvez na voz
de Simone devesse constranger
um tanto seus autores roqueiros
Samuel Rosa e Rodrigo Leão,
mas, ainda romântica, é talvez a
mais bem-sucedida canção do
CD. E é bem bonita.
Assim é também "Garoa", de
Carlinhos Brown (já "Hawaii e
You", lançada por ele em 98, soa
mais tola do que antes na voz de
Simone). As de Frejat, "Antes de
Acordar" (com Dulce Quental) e
"Seda Pura" (mais uma do inesgotável cofrinho de inéditas e
"inéditas" de Cazuza), também
vão bem, mas nada tanto assim.
No mais, "Falando Sério" (Maurício Duboc-Carlos Colla) tenta
driblar a rasteira da proibição de
Roberto Carlos (ele celebrizou a
canção, mas não detém direitos
autorais sobre ela), mas vem delicada, cansativa e deslocada.
Simone, enfim, vem procurando um novo caminho, de alguma
inquietude. O resultado é positivo, embora as marés de mercado
devam manter viva a ameaça de
que ela venha a gravar novos discos de roupão molhado, de Natal
ou de ilariê. Aí, dê-lhe ter que desdizer tudo que está escrito acima.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Seda Pura
Artista: Simone
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 25, em média
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