São Paulo, terça-feira, 19 de novembro de 2002

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MÚSICA ERUDITA

Sir Simon Rattle vira pop com sinfonia de Mahler

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Há algo de inusitado no mercado mundial do CD clássico. A lista dos mais vendidos traz há seis semanas, em primeiro lugar, uma sinfonia de verdade. É a "Quinta", de Gustav Mahler (1860-1911), e não gravação que, segundo o cáustico musicólogo Norman Lebrecht, se assemelha a um karaokê adocicado.
Mas não é desta vez uma "Quinta" qualquer. Ela traz a Filarmônica de Berlim, regida pela primeira vez por seu novo diretor musical, sir Simon Rattle, 48. O concerto foi gravado ao vivo a 7 de setembro. A EMI foi ágil e esperta ao apressar o lançamento.
Rattle é uma das poucas unanimidades entre os regentes ainda vivos. Em 18 anos como diretor, operou uma bela cirurgia na Sinfônica da Cidade de Birmingham. Transformou-a de orquestra provinciana e tímida em uma espécie de laboratório para a experimentação de pequenas heterodoxias.
Ex-percussionista, violinista e pianista, ele rejeitou convites para empregos de alto prestígio, até que os músicos da Filarmônica de Berlim o elegeram em 1999 como sucessor do italiano Cláudio Abbado. Rattle assumiu apenas agora seu novo posto.
A Berlim traz essa espécie de perfeição genética que faz dela a melhor sinfônica do mundo. E Rattle concebe cada partitura como um desses jogos de quebra-cabeças que é preciso desmontar para pôr à luz certas sutilezas, que em seguida reenriquecerão a leitura do conjunto remontado.
Sua "Quinta" de Mahler é intrigante, diferente. Não tem o celebralismo demonstrado pela Filarmônica de Viena, na versão de Pierre Boulez (1996). Nem o lirismo eloquente (Karajan, 1973) ou a ênfase formal (Abbado, 1993) que a mesma Berlim forneceu em gravações passadas.
Leonard Bernstein (1918-1990), um dos grandes intérpretes de Mahler e autor de duas gravações da "Quinta", a concebia de uma forma que se tornou padrão a partir dos anos 60. A "Marcha Fúnebre" (primeiro movimento) deveria ser taciturna, trágica.
E o conhecidíssimo "Adagietto" (quarto e penúltimo movimento), aproveitado como trilha sonora do "Morte em Veneza" (1971), de Luchino Visconti, se tornou com Bernstein a tradução da leveza triste. Aquele maestro regeu em 1963 esse movimento nos funerais de John Kennedy.
Mas para sir Simon Rattle não é nada disso. A "Quinta" é para ele a síntese musical de sensações leves, intensas, cristalinas. Nas dez horas de ensaio com a orquestra, ele, por exemplo, recomendou aos músicos que concebessem o "Adagietto" como a dimensão carnal de uma cena de amor. Mas sem nenhuma vulgaridade.
Foi também a primeira execução de uma edição revista da "Quinta", feita por Reinhoild Kubik, da Fundação Gustav Mahler. São 30 notas corrigidas e 800 mudanças menores.

Simon Rattle com a Orquestra Filarmônica de Berlim


    
Lançamento: EMI
Quanto: cerca de R$ 59
Onde encomendar: www.amazon.com



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