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ANÁLISE
"Aqui Favela" indica mudança de símbolos
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Dez dias depois do assassinato brutal do jovem casal Liana Friedenbach e Felipe Silva Caffé nas imediações da capital paulistana, o caso continua a repercutir. Além da discussão jurídica sobre a conveniência ou não de reduzir a maioridade penal, há o
questionamento da indústria de
representação da violência.
A cobertura telejornalística insiste em captar o calor dos acontecimentos e amplifica o trauma.
Sem dar conta de explicar, invade
a privacidade dos envolvidos para
associá-los a tipos sociais conhecidos.
Alternativas
Inúmeros documentários recentes procuram desarticular os
preconceitos da cobertura convencional. "Ônibus 174", de José
Padilha e Felipe Lacerda, problematiza o papel da mídia no evento
do sequestro que dá título ao filme. O longa-metragem procura
fugir da imagem de senso comum
que vilaniza o assaltante Sandro
do Nascimento. A tela grande e a
sala escura ajudam a colocar o
evento, que durou horas de performance ao vivo em cadeia nacional, em perspectiva.
"Morte Lenta", de Kiko Goifman, busca alternativas ao tratamento sensacionalista e sociológico da violência. O diretor investiga crimes imprevisíveis, praticados por pessoas que escapam aos
tipos dominantes -trabalhadores comuns.
Nesse documentário, Goifman
opta por depoimentos frios dos
assassinos confessos, que reconstituem sua história pessoal sob
um simples fundo negro. A ausência de efeitos potencializa a reflexão sobre momentos fatais de
descontrole, chamando a atenção
para histórias que fogem da estrutura melô dos casos que em geral
recebem atenção da mídia.
Periferia
Já o documentário "Aqui Favela, o Rap Representa", de Júnia
Torres e Rodrigo Siqueira, que vai
ao ar no próximo sábado na TV
Cultura, enfatiza o outro lado do
espelho.
Aqui jovens negros, pobres, habitantes de favelas e bairros de periferia de SP ou BH explicam, em
longos depoimentos didáticos, os
princípios de seu movimento.
Astros do hip hop recebem de
bom grado os diretores e o cinegrafista -e, através deles, a nós
espectadores. Convidam-nos a
entrar em seu universo, nos conduzem pelas ruelas e passagens
apertadas até suas casas e locais
de ensaio.
Somos apresentados a seus filhos, mas também a suas estantes
"high tech", computadores e aparelhos de som, instrumentos nos
quais compõem seus poemas de
denúncia social.
O protagonismo desses personagens se acentua em repetidos
enquadramentos em contra plongé. Olhando-nos de cima para
baixo, revelam que a cultura é a
sua arma na luta contra as imagens distorcidas que insistem em
associá-los ao crime.
Trabalhos como "Aqui Favela, o
Rap Representa" expressam um
fenômeno novo. Há disposição de
intervir na disputa pelo controle
das representações simbólicas.
Há versões alternativas. Resta saber se escaparemos ou se criaremos novos estereótipos.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
AQUI FAVELA, O RAP REPRESENTA.
Quando: sáb., às 21h, na TV Cultura.
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