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São Paulo, quarta-feira, 19 de novembro de 2003

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ANÁLISE

"Aqui Favela" indica mudança de símbolos

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Dez dias depois do assassinato brutal do jovem casal Liana Friedenbach e Felipe Silva Caffé nas imediações da capital paulistana, o caso continua a repercutir. Além da discussão jurídica sobre a conveniência ou não de reduzir a maioridade penal, há o questionamento da indústria de representação da violência.
A cobertura telejornalística insiste em captar o calor dos acontecimentos e amplifica o trauma. Sem dar conta de explicar, invade a privacidade dos envolvidos para associá-los a tipos sociais conhecidos.

Alternativas
Inúmeros documentários recentes procuram desarticular os preconceitos da cobertura convencional. "Ônibus 174", de José Padilha e Felipe Lacerda, problematiza o papel da mídia no evento do sequestro que dá título ao filme. O longa-metragem procura fugir da imagem de senso comum que vilaniza o assaltante Sandro do Nascimento. A tela grande e a sala escura ajudam a colocar o evento, que durou horas de performance ao vivo em cadeia nacional, em perspectiva.
"Morte Lenta", de Kiko Goifman, busca alternativas ao tratamento sensacionalista e sociológico da violência. O diretor investiga crimes imprevisíveis, praticados por pessoas que escapam aos tipos dominantes -trabalhadores comuns.
Nesse documentário, Goifman opta por depoimentos frios dos assassinos confessos, que reconstituem sua história pessoal sob um simples fundo negro. A ausência de efeitos potencializa a reflexão sobre momentos fatais de descontrole, chamando a atenção para histórias que fogem da estrutura melô dos casos que em geral recebem atenção da mídia.

Periferia
Já o documentário "Aqui Favela, o Rap Representa", de Júnia Torres e Rodrigo Siqueira, que vai ao ar no próximo sábado na TV Cultura, enfatiza o outro lado do espelho.
Aqui jovens negros, pobres, habitantes de favelas e bairros de periferia de SP ou BH explicam, em longos depoimentos didáticos, os princípios de seu movimento.
Astros do hip hop recebem de bom grado os diretores e o cinegrafista -e, através deles, a nós espectadores. Convidam-nos a entrar em seu universo, nos conduzem pelas ruelas e passagens apertadas até suas casas e locais de ensaio.
Somos apresentados a seus filhos, mas também a suas estantes "high tech", computadores e aparelhos de som, instrumentos nos quais compõem seus poemas de denúncia social.
O protagonismo desses personagens se acentua em repetidos enquadramentos em contra plongé. Olhando-nos de cima para baixo, revelam que a cultura é a sua arma na luta contra as imagens distorcidas que insistem em associá-los ao crime.
Trabalhos como "Aqui Favela, o Rap Representa" expressam um fenômeno novo. Há disposição de intervir na disputa pelo controle das representações simbólicas. Há versões alternativas. Resta saber se escaparemos ou se criaremos novos estereótipos.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP

AQUI FAVELA, O RAP REPRESENTA. Quando: sáb., às 21h, na TV Cultura.


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