São Paulo, sábado, 19 de novembro de 2005

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QUASE TODA

Danuza lança biografia em que lembra os seus três casamentos, fala dos filhos e dos bastidores da política

Livro traz segredos de mulher e de poder

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Assumida com 72 anos (revelados no livro), a jornalista e colunista da Folha Danuza Leão passeia pela praia de Ipanema em foto tirada na última quinta-feira


LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Ao se tornar colunista do "Jornal do Brasil", em 1993, Danuza Leão ganhou enfim uma palavra para escrever no campo "profissão" das fichas de hotel: jornalista. Mas, ao se pensar em Danuza, em que ofício se pensa? Escritora? Ela discorda. Socialite? Ela é capaz de xingar quem chamá-la assim -até porque não é ofício, muito pelo contrário.
Danuza, colunista da Folha há quatro anos, é daqueles casos cada vez mais raros de pessoa que transforma o nome em adjetivo de si mesma. Danuza Leão é Danuza Leão. Quem não gosta dela pode acusá-la, portanto, de ser má Danuza Leão.
"Se tivesse feito tudo o que fiz, mas me chamasse Maria de Lurdes, não seria a mesma coisa. Esse nome diferente ajuda. Mas será que foi só sorte? Podia ter casado com um corretor da Bolsa. Se casei com quem casei e fiz o que fiz, foi por opção", reivindica ela, que viveu com três homens de imprensa: Samuel Wainer, Antônio Maria e Renato Machado.
O que fez e o que lhe aconteceu, suas vontades e os acasos estão na autobiografia que chega hoje às livrarias. O título "Quase Tudo", retirado de uma lista de sugestões de Millôr Fernandes, e o número de páginas (224) relativamente pequeno para o gênero insinuam que muita coisa pode ter ficado de fora. Mas é ingenuidade tentar atraí-la para essa armadilha.
"Acho que escrevi tudo o que foi importante. O que não foi não escrevi", rebate, para encerrar o ponto em seguida com estilo: ""Quase Tudo" é porque ainda falta muita coisa para acontecer".
E, fiando-se nas declarações dela, falta mesmo. Escrever o livro significou encarar fantasmas que, por temperamento, preferia trancar no armário. "Estou mais leve. Não tenho mais segredos. Agora, qualquer pessoa pode falar o que quiser da minha vida", relaxa.
Podem falar sobre coisas difíceis e, também, as supostamente fúteis, como a idade, que Danuza sempre quis tanto esconder que chegou a convencer um funcionário da Polícia Federal a tirar dez anos de seu passaporte -delito depois corrigido. Agora ela assume seus 72 botando banca de quem se sente com a metade.
"Eu, muitas vezes, não acredito que tenha mais de 35 anos -espiritualmente e olhando para o espelho. Estou melhor do que muita gente de 35", garante-se.

Disputa
Ao publicar, em agosto do ano passado, um texto em primeira pessoa sobre o agosto de 1954, quando Getúlio Vargas se matou, Danuza despertou um gigante que andava adormecido: o assanhamento do mercado editorial em torno de uma autobiografia sua. Quatro editoras fizeram propostas a ela, e a Companhia das Letras levou a melhor.
"Tinha um prazo de dois anos, mas acabei em nove meses. Meu ex-analista diz que esse tempo não foi por acaso", conta ela com uma ponta de orgulho maternal que logo vira uma ponta de insegurança. "Tenho medo de que ninguém se interesse pelo livro. Não acho a minha vida importante para merecer uma autobiografia. Não sou uma estrela."
Talvez o grande charme de "Quase Tudo" esteja aí: ver (ou rever) como alguém que nunca foi protagonista da história parece estar sempre em primeiro plano. Desde os 14 anos.
Nessa idade, ela já estava havia quatro no Rio, depois de dez passados na Itaguaçu natal e em Cachoeiro do Itapemirim, ambas no Espírito Santo. Descoberta por um olheiro, foi convidada para um baile no Copacabana Palace. Destacou-se, apareceu pela primeira vez na imprensa e ainda ganhou uma passagem para Paris. Mas não foi.

"Ser livre é fazer só o que eu quero. Eu posso escolher ser escrava de um homem, mas é uma opção"

Foi pouco tempo depois, e aos 17 anos já estava morando na capital francesa, como modelo de Jacques Fath e, na falta de palavra melhor, amante do ator Daniel Gélin, seu primeiro grande amor -mas não seu primeiro homem, que não é identificado no livro.
"Perdido, casado e cheio de charme e sedução, daqueles a quem não se resiste -e não resisti. Toda mulher deveria conhecer um homem assim na vida. Menos nossas filhas, claro", escreve sobre Gélin com ironia típica.
Por esse amor, até heroína ela experimentou. Voltou dessa viagem e voltou ao Brasil. Aos 19 anos, a convite insólito de um amigo, foi conhecer na cadeia Samuel Wainer, então 41. Apaixonou-se e sua vida mudou para sempre. "Eu apresentei Samuel à vida glamourosa e sofisticada, e ele me apresentou ao poder", resume ela.
No segundo governo Vargas (1951-54), Wainer estava dentro do poder. Seu jornal, a "Última Hora", era a principal trincheira de Getúlio contra os ataques de Carlos Lacerda. Este, durante a primeira gravidez de Danuza, em 1954, lançou uma campanha contra Wainer, que teria nascido na Bessarábia -o que, hoje se sabe, é verdade- e só poderia ser dono de jornal se fosse brasileiro.
Após a polêmica, nasceu Deborah, logo apelidada de Pinky por causa de sua pele rosa. Em 1955, veio Samuel Wainer Filho, o Samuca, e em 1960, Bruno.
"Não fui boa mãe. Nenhum mãe se sente boa. E, se se sente, cobra dos filhos. Eu jamais cobrei. Acho que deixar meus filhos livres foi uma maneira de ser boa mãe", desqualifica-se Danuza. "Não tenho assunto com crianças. Quando crescem, vai dando para conversar de igual para igual. Não é o sangue que me aproxima das pessoas, mas o temperamento, as conversas."
Ouvido pela Folha, o caçula Bruno, que a incentivou a escrever "Quase Tudo", discorda. "Ela é uma ótima mãe, cada vez melhor", diz, afirmando que não se sentiu exposto ao ver parte de sua vida em um livro, inclusive seu envolvimento com drogas no passado. "Sou filho de Danuza Leão e Samuel Wainer. Não dá para me sentir exposto."

"Estou mais leve. Não tenho mais segredos. Agora, qualquer pessoa pode falar o que quiser da minha vida"

Pinky, que cuidou da autobiografia do pai ("Minha Razão de Viver"), saiu pela tangente: "Ainda não li, mas tenho certeza de que o livro é sensacional. Mas não vou gastar meus elogios nem tratar de assuntos pessoais no jornal".
Samuca, jornalista como o pai, morreu em 1984, em um acidente de carro quando voltava com a equipe da TV Globo de Macaé, onde fora cobrir a morte de 14 colegas por causa da queda de um avião que os levaria a uma plataforma de petróleo.
Existe dor maior do que perder um filho? "Não, nenhuma. Mas estou melhor hoje. Só não gosto de ficar olhando para a foto dele", diz ela, com dor, mas sem lágrimas, no mesmo tom que os acontecimentos daquele final de junho são relatados no livro.
"Demorei a escrever. Mas em um fim de semana decidi que tinha que enfrentar. Foram 15 horas no sábado e 15 horas no domingo. Não queria ser piegas, melodramática. Acho que consegui."
A morte de Samuca está inserida no que Danuza chama de "período de trevas" de sua vida -e também do livro: além do filho, perdeu Wainer em 1980, o pai em 1983 (um suicídio planejado em detalhes), a irmã Nara Leão, nove anos mais nova, em 1989 (tumor no cérebro diagnosticado dez anos antes), e a mãe em 1993. Feridas que nunca fecham e derrubam qualquer estereótipo de mulher fresca que tentem colar nela.

Antônio Maria
Bruno assume que leu em "Quase Tudo" coisas que mal sabia. Em especial, os lances que levaram a mãe, entre 60 e 61, a trocar o "casamento feliz" com Wainer a "quase quatro anos de paixão intensa" com Antônio Maria. Sedutor, de "personalidade exuberante", um dos maiores cronistas do país -escrevia na "Última Hora", de onde teve de sair por causa do caso com a mulher do patrão-, Maria também se mostrou, segundo Danuza escreve pela primeira vez, extremamente ciumento, tornando a relação insuportável em 1964.
Não há dúvida de que, do livro, Wainer sai como um homem quase perfeito, enquanto Maria soa como um obcecado, doente do coração nos dois sentidos -morreu no mesmo 1964 por causa de um deles.
"O Maria ficou pior na foto [no livro], mas eu deixei o homem perfeito [Wainer] pelo imperfeito. Eu me apaixonei por esse homem imperfeito", diz Danuza, como se tentasse mostrar que não há maniqueísmos quando o assunto é paixão.
Em Paris, no exílio por causa da ditadura militar, Wainer voltou a ser o marido de Danuza, mesmo quando morando em apartamentos separados. No início do namoro que daria no terceiro casamento, com Renato Machado, em 1972, Wainer tomava uísque com o casal no sofá, como um pai a (tentar) zelar pela filha.
Até sua morte -ocorrida na época em que escrevia na página 2 da Folha, assinando "S.W."-, ele continuaria cumprindo essa função. Mas, segundo escreve Danuza, ao término da relação com Maria, ela se condenou a ser livre.
"Ser livre é fazer só o que eu quero. Eu posso escolher ser escrava de um homem, mas é uma opção. O problema é que todo relacionamento exige concessões. Sempre há um dos dois que manda no controle da TV. Eu não quero que ninguém mande no meu controle", delimita ela, que nos últimos anos passou, assumidamente, a igualar liberdade e isolamento. Embora no final de "Quase Tudo" ela conte uma incrível história de sexo casual ocorrida neste ano em Paris, apaixonar-se de novo parece uma missão quase impossível.
"Quando se é jovem, a gente se apaixona fácil. Depois de uma certa idade, mais calejada, começa a fazer radiografias dos homens que conhece e já sabe mais ou menos o que pode acontecer. Com mais idade ainda, você já faz tomografia: vê tudinho. Aí fica difícil, porque a paixão é não saber, é o mistério", diagnostica.
Danuza, que foi a locomotiva da noite carioca dos anos 70 como directrice -era como se chamava a responsável por atrair gente, em especial famosos, ao local- das boates Regine's e Hippopotamus, hoje quer distância de noitadas. "Paguei meu carma. Nunca mais pisei em uma discoteca", afirma. Diz que não vai a show nem se pudesse ver João Gilberto e Tom Jobim juntos de novo. Sua felicidade está em ficar em casa, um espaçoso apartamento em Ipanema, ler livros, ver DVDs, cuidar dos dois gatos e encontrar os poucos amigos ("Não passam de seis").
"Estou tratando de ser feliz agora, porque não me falta muito tempo. Quero fazer tudo o que quiser e nada que eu não queira. Quero ser o mais feliz possível. Acho que tenho esse direito. E qualquer pessoa tem. Tirando as brabeiras que aconteceram na minha vida, posso dizer que estou na fase mais feliz da minha vida", vibra Danuza. E isso não é pouco. É quase tudo.

Quase Tudo
Autora:
Danuza Leão
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 38 (224 págs.)


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