São Paulo, quinta, 19 de novembro de 1998

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CRÍTICA
Trama intrincada conduz ao vazio

da Redação

Quase todo mundo já ouviu falar do MacGuffin, essa instituição celebrizada por Hitchcock. O MacGuffin é, em linhas gerais, o pretexto que faz os personagens se moverem ao longo de um filme. Pode ser um objeto, uma pilha de papéis, uma bomba. O MacGuffin de "Ronin" é uma misteriosa e cobiçada maleta. Sabe-se que ela é preciosa, interessa a terroristas e que por ela se mata e se morre. Hitchcock, mestre no uso desse artifício, dizia que o MacGuffin tinha muita importância para os personagens, mas nenhuma para ele, o narrador. Era um pretexto por trás do qual se desenvolvia a história que o interessava.
O curioso em "Ronin" é que estamos diante de um puro MacGuffin. Isto é: tudo que interessa na história -para os personagens, o narrador e o público- é, na verdade, a maleta e seu conteúdo explosivo.
O restante vem antes da apresentação: no Japão feudal, os ronin eram os samurais errantes que, após a derrota de seu chefe, deviam vagar sem ocupação.
Aqui, a história é transposta para o mundo pós-Guerra Fria. Os ronin em questão são os membros dos antigos serviços secretos que, após a queda do comunismo, dedicam-se a cumprir missões cujo conteúdo desconhecem, ou então trabalham para mafiosos, cujas atividades (e a finalidade dessas atividades) é pelo menos brumosa.
O possível interesse do longa vem da tentativa de reciclar o filme de espionagem, transportando-o para um quadro atual. A novidade consiste em John Frankenheimer ter realizado um filme de ação sem recorrer obsessivamente aos efeitos especiais, reencontrando a tradição do filme de ação.
Sua empreitada é parcialmente bem-sucedida, e basta olhar as cenas de perseguição nas ruas de Nice, entre outras, para perceber ali uma "velha escola" de filmagem. É como se voltássemos 30 anos no tempo para reencontrar as cenas de corrida de "Grand Prix" -filme de 65 que é, até hoje, um paradigma do gênero.
Nesse sentido, o sucesso de "Ronin" nos EUA não deixa de ser um sintoma animador de que o público talvez esteja se cansando dos filmes-maquete.
No entanto, "Ronin" não difere tanto assim da maioria das aventuras atuais. Seus personagens parecem existir apenas como convenções necessárias para que a trama vá em frente.
Na coluna dos méritos de "Ronin" pode-se colocar menos a trama extremamente intrincada do que essa sensação -que o público divide com os protagonistas- de que ninguém sabe exatamente o que está acontecendo e no que está metido.
É uma pena que essa sensação estimulante -muito parecida com a que se tem vendo "À Beira do Abismo" (1946), de Howard Hawks- termine por projetar o espectador em um vazio atroz.
Ao final, pensamos, aquilo tudo que aconteceu levou a quê? E por que aconteceu? E esse tipo de pergunta não é tão estimulante. (INÁCIO ARAUJO) ²
Filme: Ronin Produção: EUA, 1998 Direção: John Frankenheimer Com: Robert De Niro, Jean Reno e Natascha McElhone Quando: pré-estréia hoje no Metrô Tatuapé 6, Iguatemi 2, Top Cine 1, SP Market 3, Interlagos Cinemark 10 e circuito; estréia nacional amanhã


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