São Paulo, quarta-feira, 19 de dezembro de 2001

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A revanche do samba-jazz

Onda de relançamentos lembra o Brasil de nomes que moldaram a 2ª fase da bossa nova, a partir de 63

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Nove entre dez destes artistas não são verbetes da "Enciclopédia da Música Brasileira". Nove entre dez deles abandonaram o Brasil e seguem carreiras bem-sucedidas (embora quase sempre discretas) no exterior.
Em comum, além disso, eles guardam o fato de terem sido importantíssimos num segundo momento da bossa nova, principalmente a partir de 1963, quando a música instrumental ganhou impulso numa explosão de trios, quintetos e valores individuais e gerou uma corrente pós-bossa nova que hoje é reconhecida sob o emblema de samba-jazz.
A outra coincidência entre eles é que agora, de uma vez só e por várias gravadoras ao mesmo tempo, muitos desses artistas estão reaparecendo (ou aparecendo pela primeira vez) em CD.
Nomes como Luiz Eça, Helcio Milito, Bebeto, Meirelles, Raul de Souza, Antonio Adolfo, Edison Machado, Milton Banana, Dom Salvador, Dom Um Romão, Carlos Lyra, Luiz Carlos Vinhas, Eumir Deodato, Rosinha de Valença, Mário Castro Neves e a cantora Flora Purim estão privilegiados e são constantes nas fichas técnicas na nova leva da coleção "RCA - 100 Anos de Música", da BMG.
Desses, discos como "Flora É M.P.M." (64), "O LP" (64), do conjunto Os Cobras, "O Trio 3-D Convida" (65), do conjunto de Antonio Adolfo, "À Vontade Mesmo" (65), de Raul de Souza, e "Mário Castro Neves & Samba S.A." (67) nunca haviam saído em CD. "Saravá!", lançado por Carlos Lyra em 70, quando a maior parte dos músicos acima havia escapado do Brasil e estava radicada no México, nunca ganhara, até hoje, edição brasileira.
Em outra frente, a gravadora independente Dubas pescou do catálogo empoeirado da Universal os dois discos originais do saxofonista e arranjador J.T. Meirelles (ou só Meirelles) com seu grupo, Os Copa 5.
"O Som" (64) e "O Novo Som" (65) são duas das pedras fundadoras da mistura samba-jazz, que Meirelles havia testado com sucesso nacional em 63, ao arranjar o disco de estréia de Jorge Ben, "Samba Esquema Novo".
É que em decorrência do boom de liberdade que esses músicos tiveram de lançar seus próprios (e quase sempre instrumentais) projetos, a sonoridade samba-jazz conquistava não só o jovem Jorge Ben, como uma estirpe de cantores que abrangia Elis Regina, Edu Lobo, Wilson Simonal, Jair Rodrigues, dezenas de outros.
Cabia ali também a cantora de voz miúda e aveludada Wanda Sá, que tem sua estréia em LP, "Wanda Vagamente" (64), recuperada pela mesma Dubas. A produção do disco era de Roberto Menescal, peça constante não só do samba-jazz como da bossa nova em todas as suas variáveis.
No panorama de súbita redescoberta, nem todos foram justiçados até agora. Professor de música de Nara Leão e um dos introdutores dos tons afro (o samba, inclusive) no jazz e na bossa, o maestro e arranjador pernambucano Moacir Santos ainda espera -também do exterior- que se reedite no Brasil sua obra original.
Pois é dele (em parceria com Mário Telles) "Nanã" (63), a música que talvez melhor sintetize o espírito do samba-jazz, juntamente com "Quintessência" (64), de Meirelles.
Outro não contemplado na atual onda, por enquanto, é Sergio Mendes, que apimentava o ingrediente pop à caldeira samba-jazz e, não por acaso, estourou nos EUA pós-Tom Jobim e pós-João Gilberto. Não por acaso, também, seu carro-chefe era a versão "bubblegum" para "Mas que Nada", o encontro inaugurador de Jorge Ben e Meirelles.
Por outro lado, a coleção da BMG ainda tem tempo de contemplar um exemplar sem ligação com o samba jazzeado da turma dois da bossa, mas de história parecida nos quesitos abandono brasileiro/consolação estrangeira.
É o álbum "Introspection", gravado pelo pianista carioca Luiz Bonfá nos Estados Unidos, em 72. Um dos inventores da bossa nova, ao compor, com Antonio Maria, a precursora "Manhã de Carnaval" (58), Bonfá sempre gozou de mais reconhecimento lá fora, onde trabalhou com Frank Sinatra, Sarah Vaughan, Tony Bennett e até Elvis Presley. Aqui, continuou praticamente anônimo até sua morte, no início de 2001.


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