São Paulo, quarta-feira, 19 de dezembro de 2001

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SAMBA-JAZZ

Saxofonista e arranjador pioneiro diz que se sentia "virtual" até as reedições de "O Som" e "O Novo Som"

Meirelles, 61, diz que volta a existir agora

DO ENVIADO AO RIO

O homem grisalho tem compromisso marcado todo sábado, das 12h às 16h, na rua Barata Ribeiro, em Copacabana, no Rio de Janeiro. É quando toma sax e flauta, instrumentos de uma vida inteira, e apresenta jóias de seu samba-jazz no bar da loja de discos Modern Sound, acompanhado de baixista e pianista.
Tal rotina representa, para João Theodoro Meirelles, ou J.T. Meirelles, ou só Meirelles, 61, a volta discreta à atividade de um artista que já extraiu evidência das atividades de compositor, músico, orquestrador, arranjador e maestro.
"Estive ligado à bossa nova desde seu início, mas em 59 me mudei para São Paulo. Com 20 anos, tocava em conjuntos na noite, e já abríamos para Dizzy Gillespie, em sua passagem pelo Brasil. Depois voltei para o Rio, e aqui já rolava o Beco das Garrafas. Toquei com João Donato e conheci Jorge Ben e Rosinha de Valença, que davam canja por ali sem terem nada a ver com bossa nova", conta o músico.
Já não se considerava um bossa-novista de carteirinha: "O que eu queria fazer não era o lance da bossa, que sempre foi voz e violão, mais light e romântica. A mistura de samba e jazz já existia de antes, com Sivuca, Edison Machado, a Turma da Gafieira. Nosso lance era mais misturar a própria bossa nova com o jazz dos anos 60. O rótulo samba-jazz, sinceramente, não sei como surgiu".
A volta lenta se iniciou pela reedição, há poucos meses, dos três primeiros discos de Jorge Ben, futuro formatador do samba-rock e do samba-funk, que entre 63 e 64 aprendia com ele, Meirelles, a inventar o "samba esquema novo".
"Aquilo nem passava pela cabeça de Jorge. Ele era da turma do rock, amigo de Erasmo Carlos e de Tim Maia. Foi uma fase para ele, que tinha muito mais energia que nosso estilo", lembra.
A bordo do sucesso de "Mas que Nada" e "Chove, Chuva", Meirelles pôde fazer seus próprios discos, instrumentais e totalmente livres de pressões comerciais ou artísticas por parte de gravadora.
Recrutou o conjunto que viria a batizar Os Copa 5, composto por músicos de alto calibre, todos ligados à bossa nova: Luiz Carlos Vinhas, Dom Um Romão, Manoel Gusmão e Pedro Paulo. Foi a formação que criou o conciso "O Som" (64), com seis clássicos instrumentais de Meirelles.
Em 65, o conjunto original já estava disperso, o que o moveu a congregar uma nova equipe (da anterior, só restou Gusmão) para elaborar o menos autoral "O Novo Som". Os novos Copa 5 eram Eumir Deodato, Edison Machado, Roberto Menescal e Waltel Branco.
Logo Meirelles foi para a TV, onde trabalhou com Elizeth Cardoso, Elis Regina, Jair Rodrigues, Wilson Simonal. "Aí mudou o governo, e os militares trancaram tudo. Caiu a ficha, parei com isso de música instrumental e fui tratar de ser profissional", diz, lembrando que produziu e/ou tocou com Tito Madi, Dóris Monteiro, Silvio Cesar, Gonzaguinha, Gilberto Gil até meados dos anos 70, quando o campo se fechou de vez.
"Nunca mais me interessei em fazer meu projeto, achei que ia ficar mais aborrecido que contente. Os canários se deram bem até o fim do século, mas vi amigos que continuaram a morrer cedo de desgosto, droga, bebida, o diabo."
Agora ele se redefine, motivado pelas reedições: "Devido à minha atitude de distanciamento, me tornei um artista virtual. Estava em algum lugar do passado. Era tratado como "lendário", "mito", mas onde estava, em Marte? Agora não sou mais virtual, eu já existo. Ainda não estou acreditando, não". (PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


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