|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
COMENTÁRIO
Músico pode relativizar o furor centrista da tropicália
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
A quem desconfie que o ministério de Luiz Inácio Lula
da Silva esteja tomando semblante tucano demais, um novo argumento pode ser anexado com a
escolha de Gilberto Gil para a pasta da Cultura do governo do PT.
Embora nunca pertencesse ao
PSDB (mas sim ao PMDB e, atualmente, ao PV), Gil, 60, flertou
mais de uma vez com o ministério
de Fernando Henrique Cardoso,
com quem teve proximidade
constante nos oito anos tucanos.
Mais importante que isso, o núcleo duro do tropicalismo -ou
seja, Gilberto Gil e Caetano Veloso- esteve sempre em sintonia
tácita com o modo FHC de governar. Era da raiz do movimento
musical de 1968 rejeitar e combater radicalismos de esquerda e de
direita, e eles têm se mantido afinados com essa ética desde então.
Vestem-se ora de centro-esquerda (votando em Brizola), ora
de centro-direita (fazendo rapapés a Antonio Carlos Magalhães),
mas jamais se permitem fugir das
cercanias do centrão.
No bate-papo em forma de livro
"O Mundo em Português - Um
Diálogo" (98), FHC provocou polêmica ao comentar a MPB com o
ex-presidente de Portugal Mário
Soares, desmanchando-se em elogios a Caetano e Gil e classificando o petista histórico Chico Buarque como "esquerda convencional" -é o que o PSDB sempre
disse do PT. Ironicamente, Lula
leva Chico para a festa da posse. E
Gil para o ministério da Cultura.
Não ficou registrada como brilhante sua passagem pela vida política (como secretário de cultura
e vereador, na Bahia), e ele ainda
teve de reverter uma tendência de
ocaso na música, para o que contou com o socorro de Caetano,
que o convocou para o disco em
dupla "Tropicália 2" (1993).
De influência capital nos recentes episódios da lei da numeração,
Gil estará frente a frente com uma
tragédia que acomete a indústria a
que ele pertence e a qual o PT promete combater: a pirataria.
É tempo em que um dos bens
primordiais do modo brasileiro
de ser -a música popular- sofre sérios riscos de sobrevivência.
Lula acena para isso ao indicar
Gil, mesmo sabendo que seu agora ministro até as eleições de 2002
estava no cantinho de lá do muro.
Se por um lado a postura tropicalista de Gil pode neutralizar o
perigo dos ímpetos folclorizantes
da esquerda tradicional (sua presença no ministério vai além do
tom popular caro ao petismo e
chega ao pop), por outro ele esteve silenciosamente alinhado com
FHC em sua visão mercadológica
da cultura. Um dos megaespetáculos que contaram com patrocínio de lei federal de incentivo foi o
encontro musical entre Milton
Nascimento e Gil, em 2000.
Se Gil irá relativizar o furor centrista/marqueteiro da tropicália e
se mover à esquerda ou se Lula é
que estará se atucanando no âmbito cultural é pergunta para começar a ser respondida agora.
Por enquanto, fica um outro dado paralelo: Gilberto Gil é negro e
nordestino, embora não originário de classe social desfavorecida.
Tem em parte a aura múltipla que
Lula advogava, mesmo que não
militasse pelos direitos negros, a
não ser em momentos esparsos
(como quando lançou o disco
"Refavela", em 1977, ou quando
compôs o funk-rock de protesto
"A Mão da Limpeza", em 1984).
Defensor ferrenho da branco-negritude baiana da axé music,
Gil por outro lado dedicou seu
disco "Quanta" (97) a dois dos
mais altos artistas jovens surgidos
nos 90, o já morto Chico Science e
a (então) ainda viva Cássia Eller.
Irá se encontrar com o entusiasmo petista pelo rap e pela crua
questão da exclusão das populações faveladas. Terá, como gestor
político da cultura, o desafio de
equacionar sua própria militância
negra indecisa com o discurso petista de inclusão sociocultural da
população pobre e imensamente
negra (a tal "negra solidão" que
ele relatou em 68, em "Marginália
2") do Brasil.
Texto Anterior: Isto é Gil Próximo Texto: Teatro: TBC não renova contrato e pode fechar Índice
|