São Paulo, sábado, 19 de dezembro de 1998

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FERNANDA MONTENEGRO
Atriz acha impossível indicação ao Oscar

MARIANE MORISAWA
da Redação

"Uma das maiores performances do ano." "Atuação extraordinária." "Trabalho de clareza e profundidade surpreendentes." Com adjetivos assim, a imprensa americana tem saudado a interpretação da atriz Fernanda Montenegro como Dora no filme "Central do Brasil", dirigido por Walter Salles.
A revista "Time" incluiu o filme entre os dez melhores do ano e chama Fernanda de "impressionante".
A atriz, dama do teatro brasileiro, vai conquistando seu espaço também no panorama cinematográfico mundial. Fernanda começou sua carreira de sucesso com "Central do Brasil" em fevereiro, quando recebeu o Urso de Prata em Berlim por sua atuação.
Neste mês, depois de receber prêmios da Associação Americana de Críticos e da Associação de Críticos de Los Angeles, a atriz acaba de ser indicada ao Globo de Ouro -considerado a mais segura prévia do Oscar.
Vai concorrer com duas atrizes consagradas de Hollywood, Meryl Streep e Susan Sarandon, e as britânicas Cate Blanchett e Emily Watson. Apesar de muitos acreditarem que uma indicação sua ao Oscar já está garantida, ela se dá o direito de "não conjeturar sobre o futuro".
Prefere viver "cada dia". "No meu caso, acho impossível uma indicação", disse a atriz, em entrevista ontem, por telefone, de Hamburgo (Alemanha), onde promovia "Central do Brasil", final de uma turnê -"gloriosa", segundo a atriz- de dois meses pelos Estados Unidos e Europa.

Folha - Como você se sentiu ao ser indicada ao Globo de Ouro?
Fernanda Montenegro -
É uma notícia muito boa. Eu fiz "Central do Brasil" porque gostei do que me apresentaram. Os resultados são a consequência desse trabalho.
Folha - Qual a importância dessa indicação e dos prêmios que você vem recebendo?
Montenegro -
É uma coisa interessante de observar nessa altura da minha vida. Fico feliz, mas não sou deslumbrada. Porque prêmio, às vezes, é um acidente. Você pode ser o melhor e ganhar, ou também pode ser o melhor e perder. Não posso ser estúpida de dizer que não gostei, até pelo que isso representa para o cinema brasileiro. Mas vamos esperar as conclusões.
Folha - Sempre se diz que o brasileiro em geral precisa da aprovação externa para ser reconhecido no país. Você concorda?
Montenegro -
Concordo. A chancela internacional facilita a divulgação e dá prestígio.
Folha - Criou-se no Brasil uma expectativa muito grande em relação a um Oscar. Vocês sentem essa pressão?
Montenegro -
Mesmo no exterior, perguntam muito, porque o Oscar é feito um bezerro de ouro, é um ícone. Eu vivo cada dia. O que me aconteceu é ótimo, mas, no meu caso, acho impossível uma indicação ao Oscar. Como diz o produtor internacional do filme, Arthur Cohn, "se você for indicada ao Oscar, diga que está feliz. Se ganhar, diga que está muito, muito, muito feliz". No Brasil, a gente está sempre em busca do referencial máximo de aceitação. Ou é ser campeão do mundo de futebol, ou é ganhar o Oscar, que é o máximo de reconhecimento no mercado cinematográfico externo. Acaba ficando para trás tudo o que você fez até aquele momento.
Folha - No Brasil, seu trabalho é reconhecido há muito tempo. Como é ser reconhecida em um mercado tão fechado ao estrangeiro como o americano?
Montenegro -
Acho que tivemos um produtor internacional, uma distribuidora que fez um trabalho primoroso, com uma penetração importante no mercado externo. Por isso o trabalho apareceu. Precisamos desse trânsito. É difícil se espalhar pelo mundo.
Folha - Você foi indicada ao Globo de Ouro ao lado de atrizes ícones de Hollywood. O que você acha dessas atrizes?
Montenegro -
São atrizes conceituadíssimas, respeitadíssimas. Mas nós também temos uma presença artístico-cultural importante. Eu fico com os pés no chão.
Folha - Mas você realmente não acredita na possibilidade de uma indicação ao Oscar?
Montenegro -
Não sei. Eu me dou o direito de não conjeturar. Só sei que fiz um filme bom, tive um papel maravilhoso.
Folha - Por que Dora toca tanto as pessoas?
Montenegro -
Eu quis fazê-la da forma mais objetiva, mais limpa de histrionismo, mais verdadeira, mais honesta possível. Senti logo no início que o filme ia pelo caminho do documental. Tive de fazer um trabalho de desestruturação interpretativa, sem histrionismos, sem golpes. Entrei de cabeça, não me poupei.
Folha - Como tem sido a maratona de divulgação do filme no exterior?
Montenegro -
Gloriosa. A cada noite, temos uma experiência com platéias as mais diferentes possíveis. Em Milão era um tipo de gente, em Roma, outro, completamente diverso, na Basiléia era um público de nível econômico mais elevado, em Bonn eram trabalhadores. Por algum mistério qualquer, o filme toca as platéias de forma especial. Por sermos tão nós mesmos, acabamos nos tornando universais. É um filme brasileiro sem ser folclórico, doutrinário. É emotivo, mas não melado; sensível, mas não melodramático. Eu costumo dizer que cada país tem um "Central do Brasil" dentro dele, em suas periferias.



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