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SHOW - CRÍTICA
Sóbrio, Roberto Carlos canta o saudosismo
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
O show deve continuar. Sem traços de sentimentalismo de ocasião
pela doença de sua mulher, Roberto Carlos apresentou anteontem,
no ginásio do Ibirapuera, em São
Paulo, o show "Romântico", delimitando o ato de lançar mais um
CD "Roberto Carlos" no Natal.
A tristeza deve existir, mas ele a
guardou apenas à música. A consequência é tanto a exibição de virtuosismo de um intérprete sem par
na história musical nacional quanto a formulação de um espetáculo
mais sóbrio e enxuto, sem estrelinhas, criancinhas e coros de igreja.
Roberto tem muito a fazer ainda
para equacionar apelo barato à
massa e exigências estéticas mínimas -arranjos continuam de araque, roteiro mantém-se adivinhável, Roberto apinha o show de papo furado pré-ensaiado.
Mas o que é aquela técnica de
canto? O que é o poder de condução de um público eminentemente
feminino e de meia-idade? Há, desgarrados, senhores marejados por
"Eu Sou Terrível" (67), casais, meninas e meninos, mas a fã condutora de Roberto é das mais fiéis, envelhece e sofre com ele.
Daí o inevitável: "Romântico" é
saudosismo só. De um início instrumental mixando "A Montanha"
(72) a "É Papo Firme" (66), até o
desfecho apoteótico de rosas beijadas no piloto automático e então
jogadas às moças ao som de "Jesus
Cristo" (70) e "Amigo" (77), tudo é
lembrança e melancolia.
Ele próprio zomba de si. "Que
prazer rever vocês neste show absolutamente novo", ri, sarcástico.
Deslizam "Amada Amante" (71),
"Falando Sério" (77), "Detalhes"
(71), "Outra Vez" (77), e Roberto
se alterna entre gestos de absoluto
domínio cênico -a linguagem
corporal do ídolo romântico- e o
ritual barato de conquista e sedução do canastrão caricato.
Vem o "intermezzo" jovem guarda, em que imagens de um homem
ensandecido -de cartola, óculos
escuros, guitarra, gaita, cabelos estilosos, rodeado de gente bacana
como Erasmo e Wanderléa- fazem desacreditar que o presente
exista de fato, tão pálido ele parece.
O que move tal epifania é uma
suíte de canções sobre carros -o
desejo de poder algo eunuco do iê-iê-iê: "As Curvas da Estrada de
Santos" (69, mais linda que nunca), "120... 150... 200 km por Hora"
(70, idem), "Por Isso Corro Demais" (67), "Parei na Contramão"
(63), "O Calhambeque" (64).
No meio delas, surgem temas
mais recentes, "Caminhoneiro"
(84) e "O Taxista" (94) -o desejo
de poder se converteu em (falsa)
humildade, benevolência do artista com seu público e consigo.
O show continua. Homenagem a
Claudette Soares (perceba nova
demonstração de grandeza),
"Emoções" (81), pagode asqueroso, segmento religioso limitador.
Aí por esse meio acontece a purgação. Ele canta "Cavalgada" (77)
e, com letra de motel, arranjo Copperfield e tudo, vive seu instante de
purificação -a catarse se confirma no simples verso "que na beleza dessa hora". Nele, cantado da
forma como é cantado, cabe toda a
história da MPB. O ícone de patrimônio cultural e o ídolo cafonão
perdido e perplexo são um só.
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