São Paulo, sábado, 19 de dezembro de 1998

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SHOW - CRÍTICA
Sóbrio, Roberto Carlos canta o saudosismo

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

O show deve continuar. Sem traços de sentimentalismo de ocasião pela doença de sua mulher, Roberto Carlos apresentou anteontem, no ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, o show "Romântico", delimitando o ato de lançar mais um CD "Roberto Carlos" no Natal.
A tristeza deve existir, mas ele a guardou apenas à música. A consequência é tanto a exibição de virtuosismo de um intérprete sem par na história musical nacional quanto a formulação de um espetáculo mais sóbrio e enxuto, sem estrelinhas, criancinhas e coros de igreja.
Roberto tem muito a fazer ainda para equacionar apelo barato à massa e exigências estéticas mínimas -arranjos continuam de araque, roteiro mantém-se adivinhável, Roberto apinha o show de papo furado pré-ensaiado.
Mas o que é aquela técnica de canto? O que é o poder de condução de um público eminentemente feminino e de meia-idade? Há, desgarrados, senhores marejados por "Eu Sou Terrível" (67), casais, meninas e meninos, mas a fã condutora de Roberto é das mais fiéis, envelhece e sofre com ele.
Daí o inevitável: "Romântico" é saudosismo só. De um início instrumental mixando "A Montanha" (72) a "É Papo Firme" (66), até o desfecho apoteótico de rosas beijadas no piloto automático e então jogadas às moças ao som de "Jesus Cristo" (70) e "Amigo" (77), tudo é lembrança e melancolia.
Ele próprio zomba de si. "Que prazer rever vocês neste show absolutamente novo", ri, sarcástico. Deslizam "Amada Amante" (71), "Falando Sério" (77), "Detalhes" (71), "Outra Vez" (77), e Roberto se alterna entre gestos de absoluto domínio cênico -a linguagem corporal do ídolo romântico- e o ritual barato de conquista e sedução do canastrão caricato.
Vem o "intermezzo" jovem guarda, em que imagens de um homem ensandecido -de cartola, óculos escuros, guitarra, gaita, cabelos estilosos, rodeado de gente bacana como Erasmo e Wanderléa- fazem desacreditar que o presente exista de fato, tão pálido ele parece.
O que move tal epifania é uma suíte de canções sobre carros -o desejo de poder algo eunuco do iê-iê-iê: "As Curvas da Estrada de Santos" (69, mais linda que nunca), "120... 150... 200 km por Hora" (70, idem), "Por Isso Corro Demais" (67), "Parei na Contramão" (63), "O Calhambeque" (64).
No meio delas, surgem temas mais recentes, "Caminhoneiro" (84) e "O Taxista" (94) -o desejo de poder se converteu em (falsa) humildade, benevolência do artista com seu público e consigo.
O show continua. Homenagem a Claudette Soares (perceba nova demonstração de grandeza), "Emoções" (81), pagode asqueroso, segmento religioso limitador.
Aí por esse meio acontece a purgação. Ele canta "Cavalgada" (77) e, com letra de motel, arranjo Copperfield e tudo, vive seu instante de purificação -a catarse se confirma no simples verso "que na beleza dessa hora". Nele, cantado da forma como é cantado, cabe toda a história da MPB. O ícone de patrimônio cultural e o ídolo cafonão perdido e perplexo são um só.



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