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LITERATURA
Em "Vida, O Filme" , Neal Gabler explica por que o entretenimento é mais poderoso que os "ismos""
"Realidade americana é Disneylândia"
MARCELO NETTO RODRIGUES
da Redação
Não se espante;
ao ler este texto você está sendo filmado. Quanto menos
espontâneo for,
melhor, suas chances de estrelar o papel principal
aumentam.
Em "Vida, o Filme", livro do crítico cultural norte-americano,
Neal Gabler, somos atores e platéia ao mesmo tempo em busca
de reconhecimento. O espetáculo
é ininterrupto. "Não precisamos
mais sair do conforto do cinema
(...) aprendemos como escapar da
vida para a vida."
Esqueça (ou lembre-se de) Truman, Huxley e Orwell, o imaginário já é realidade, ou como Gabler
define: pós-realidade.
O livro só não busca responder
àquela pergunta estampada no
broche de um dos personagens de
"O Show de Truman": "Aonde isso vai dar?".
Leia abaixo a entrevista que
Neal Gabler concedeu à Folha,
por telefone, de Nova York, em
que ele responde por que não vê a
sociedade de entretenimento como um câncer.
Folha - O ícone da pós-modernidade para Aldous Huxley, em
"Admirável Mundo Novo" é representado por "Our Ford" (corruptela para "Our Lord" -nosso
senhor). Qual é o ícone principal
da pós-realidade?
Neal Gabler - Eu acho que Huxley estava errado ao acreditar que
o desejo pelo prazer seria coercivo. Não vejo o desejo sendo gerado de cima, mas por nós. Huxley
procurava localizar essa idéia em
uma única coisa, eu não acho que
ele percebeu que o mundo se
transformaria num amplo ícone
da pós-realidade.
Folha - Você escreve que "não
se trata de nenhum "ismo", mas
talvez o entretenimento seja a
força mais poderosa e inelutável de nosso tempo- uma força
tão esmagadora que acabou
produzindo uma metástase, virando a própria vida". Por que
ele não é patológico?
Gabler - Pelo menos ele não é
apenas um câncer. Usei o termo
(metástase) como um processo
descritivo. Dizer que pessoas à
procura de prazer por meio do
entretenimento estão sendo iludidas é um julgamento de valor.
Folha - Na sua visão, Marx e
Schumpeter parecem ter errado, creditando aos "ismos", o
caráter que o entretenimento
assume hoje. Ele em si não seria
um filho rebelde, mas dependente desses "ismos"?
Gabler - Não, acredito que o inverso seja verdadeiro. Críticos de
esquerda o vêem como uma ferramenta do capitalismo para controle social. Empiricamente isso
não é verdade.
Folha - Você cita uma análise
do semiólogo italiano Umberto
Eco de que "temos de começar
de novo do começo". Seria esse
o apregoado por Marx tendo o
comunismo como começo e não
como fim, em contraposição ao
capitalismo atual?
Gabler - Acho que não. Pessoas
têm demandas e querem certas
coisas. Agora, alguém pode dizer
que foram criadas pelo capitalismo. Na minha avaliação, Marx
(em pensamento, distinguindo-o
de um pensamento marxista)
sempre subestimou o sentimento
das pessoas. Um de seus maiores
enganos foi insistir em falar como
elas realmente se sentiam, como
se dissesse: "Você pensa que é feliz, mas eu sei melhor do que você; você não é realmente feliz". Eu
tenho mais confiança e respeito
pelo cidadão comum que diz:
"Olhe, eu sei exatamente o que eu
quero". Você acha que as pessoas
em Hollywood dizem: "Vamos
pôr isto "goela abaixo" deles, nós
temos uma ideologia burguesa
e...". Não. Elas dizem: "O que as
pessoas querem?" O sistema capitalista baseia-se agora na satisfação das minhas necessidades.
Folha - O sociólogo norte-americano Talcott Parsons define papéis para atores de uma
sociedade distinta. A "cultura
do lixo" norte-americana (como
você define) ultrapassa esses limites, quais serão suas consequências num futuro próximo?
Gabler - O que você descreve é o
lado patológico desse processo esmagador, que virtualmente invade toda a vida norte-americana e
que em uma década invadirá todos os cantos do mundo. Meu
editor na Alemanha disse que
qualquer coisa que aconteça nos
Estados Unidos, acontece lá também cinco anos após. Se o objetivo é ser observado e reconhecido
por uma platéia, todas as sortes de
coisas são permitidas, algumas
horríveis, outras mais sutis.
"Todos sabemos
quem Zsa Zsa é,
apesar de não
sabermos o que
ela faz"
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Folha - A mídia cumpre sua
função trazendo à tona assuntos particulares de políticos? No
Brasil, a atenção dispensada à
existência de filhos bastardos
também é recorrente...
Gabler - Vocês também têm isso (risos)? Aqui muitos dizem que
os políticos vendem suas histórias
de vida familiar à mídia, portanto
a mídia estaria autorizada a investigá-la. Com relação ao caso Lewinsky, o caso era apenas sobre
sexo e entretenimento. Clinton
não sofreu impeachment porque
o público americano disse: "Isso é
engraçado, mas não revela como
se governa um país".
Folha - O fator Zsa Zsa (pronuncia-se "já já") -referente ao
nome de uma húngara que se
notabilizou nos EUA por não saber fazer nada (dançar, cantar,
atuar) mas mesmo assim tornou-se uma celebridade- tende a se espalhar ou diminuir?
Gabler - Todos sabemos quem
Zsa Zsa é (sic), apesar de não sabermos o que ela faz. Elas estão
por toda a parte.
Folha - Numa crítica sobre o
seu livro lê-se: "Nós não queremos que a Disneylândia seja
igual à realidade, mas que a realidade seja mais como Disneylândia". Seria essa a razão para
que o garoto cubano (Elián González) ter sido levado para lá?
Gabler - De fato, a realidade
americana é muito parecida com
a Disneylândia. Fazemos o possível para que a realidade seja assim. Vivemos numa sociedade
que tem tanta artificialidade, que
essa acaba se transformando em
realidade. Essa é a natureza da vida americana: deixou a fantasia
de lado e se incorporou em nossa
existência diária. Política, religião
e educação tendem a assumir o
papel de entretenimento.
Folha - Seria uma ironia que
na capa da edição brasileira do
livro, a frase "estrelando todo
mundo" (que consta na versão
em inglês) foi suprimida, ou aos
coadjuvantes do Terceiro Mundo não se reserva tal crédito?
Gabler - Acredito que todos sejam protagonistas. Talvez, existam bolsões de resistência, mas
esses terão de se retirar do sistema
na busca por autenticidade.
Folha - Um leitor de Dallas comenta que o livro retrata 99%
dos americanos como idiotas.
Gabler - Isso porque as pessoas
lêem o livro com seus próprios
sentimentos, e não com os meus.
O livro é neutro intencionalmente. Eu não digo se o entretenimento é bom ou ruim.
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