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RESENHA
Existir está condicionado a "ser reconhecido"
ESTHER HAMBURGER
especial para a Folha
"A vida virou arte de tal forma
que as duas são agora indistintas
uma da outra", escreve Gabler. A
afirmação redefine o debate sobre os artifícios da mídia, a alienação e a possível confusão entre
ficção e realidade.
"Vida, o Filme" acena com um
olhar que escrutina os mecanismos que regem a sociabilidade
contemporânea permeada pelos
meios de comunicação de massa. Mais do que decidir por uma
catástrofe eminente ou por um
novo horizonte de possibilidades existenciais, o autor se preocupa em contar a história de como a lógica do entretenimento
foi tomando conta da vida nos
Estados Unidos no decorrer do
século 20.
O autor descreve como o entretenimento vai se consolidando na imprensa marrom, no cinema, e que culmina na segunda
metade do século com a televisão. A clivagem se manifesta na
história do jornalismo, no debate gerado pela introdução da
imagem fotográfica na imprensa
e nos critérios de pauta e construção da notícia utilizados pela
chamada imprensa marrom.
O livro é rico em exemplos históricos de interpenetração entre
o universo da mídia e o da realidade. Mas o interesse do trabalho vai além da coleção de eventos. Gabler procura compreender a tendência da mídia como
realização de uma cosmologia
compartilhada por celebridades
e por cidadãos consumidores,
que vai tomando conta de todos
os domínios da cultura.
A "fome de entretenimento"
favorece a narrativa seriada, dramatizada, seja da ficção ou da
notícia, e instaura uma dinâmica
em que, nas palavras do autor, a
vida é cada vez mais vivida para a
mídia, que cada vez mais cobre a
si mesma e seu impacto sobre a
vida. Num mundo em que a celebridade é construída na mídia,
cada um vive seu drama pessoal
como uma história que poderia
virar seriado de TV.
O entretenimento que rege os
meios de comunicação de massa
estaria também a pautar a definição das personalidades e identidades em um final de milênio em
que a fama aparece como acessível a todos, independente dos laços sanguíneos que definiam as
realezas ou a propriedade que
calça o poder econômico. O espetáculo aparece como via de ascensão, a participação no universo do visível aparece como horizonte obrigatório, como se existir estivesse condicionado a aparecer.
Gabler parte de uma definição
convencional de entretenimento, aceita em círculos acadêmicos e na própria indústria cultural. Entretenimento é diversão
de massa, mobiliza repertórios
convencionais, apela aos sentidos, atende ao gosto popular, usa
a imagem em oposição à arte
-espaço de aprimoramento e
de afirmação moral, dirigida ao
indivíduo de elite. Mas o livro
abre espaço para que se questione a oposição excludente entre
razão e emoção que está na base
dessa definição - e que pode vir a
sugerir novas formas de se pensar a epiteme que rege essa realidade entretenimento.
Avaliação:
Livro: Vida, o Filme
Autor: Neal Gabler
Tradução: Beth Vieira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 28,50 (293 págs.)
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