São Paulo, Quinta-feira, 20 de Janeiro de 2000


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RESENHA
Existir está condicionado a "ser reconhecido"

ESTHER HAMBURGER
especial para a Folha


"A vida virou arte de tal forma que as duas são agora indistintas uma da outra", escreve Gabler. A afirmação redefine o debate sobre os artifícios da mídia, a alienação e a possível confusão entre ficção e realidade.
"Vida, o Filme" acena com um olhar que escrutina os mecanismos que regem a sociabilidade contemporânea permeada pelos meios de comunicação de massa. Mais do que decidir por uma catástrofe eminente ou por um novo horizonte de possibilidades existenciais, o autor se preocupa em contar a história de como a lógica do entretenimento foi tomando conta da vida nos Estados Unidos no decorrer do século 20.
O autor descreve como o entretenimento vai se consolidando na imprensa marrom, no cinema, e que culmina na segunda metade do século com a televisão. A clivagem se manifesta na história do jornalismo, no debate gerado pela introdução da imagem fotográfica na imprensa e nos critérios de pauta e construção da notícia utilizados pela chamada imprensa marrom.
O livro é rico em exemplos históricos de interpenetração entre o universo da mídia e o da realidade. Mas o interesse do trabalho vai além da coleção de eventos. Gabler procura compreender a tendência da mídia como realização de uma cosmologia compartilhada por celebridades e por cidadãos consumidores, que vai tomando conta de todos os domínios da cultura.
A "fome de entretenimento" favorece a narrativa seriada, dramatizada, seja da ficção ou da notícia, e instaura uma dinâmica em que, nas palavras do autor, a vida é cada vez mais vivida para a mídia, que cada vez mais cobre a si mesma e seu impacto sobre a vida. Num mundo em que a celebridade é construída na mídia, cada um vive seu drama pessoal como uma história que poderia virar seriado de TV.
O entretenimento que rege os meios de comunicação de massa estaria também a pautar a definição das personalidades e identidades em um final de milênio em que a fama aparece como acessível a todos, independente dos laços sanguíneos que definiam as realezas ou a propriedade que calça o poder econômico. O espetáculo aparece como via de ascensão, a participação no universo do visível aparece como horizonte obrigatório, como se existir estivesse condicionado a aparecer.
Gabler parte de uma definição convencional de entretenimento, aceita em círculos acadêmicos e na própria indústria cultural. Entretenimento é diversão de massa, mobiliza repertórios convencionais, apela aos sentidos, atende ao gosto popular, usa a imagem em oposição à arte -espaço de aprimoramento e de afirmação moral, dirigida ao indivíduo de elite. Mas o livro abre espaço para que se questione a oposição excludente entre razão e emoção que está na base dessa definição - e que pode vir a sugerir novas formas de se pensar a epiteme que rege essa realidade entretenimento.


Avaliação:     



Livro: Vida, o Filme
Autor: Neal Gabler
Tradução: Beth Vieira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 28,50 (293 págs.)



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