São Paulo, sábado, 20 de janeiro de 2001

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"BRASIL, PAÍS DO PASSADO?"

Nem passado nem futuro, um país fora do tempo

GILBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Simpósio de universitários brasileiros e alemães virou livro, título melancólico, ponto de interrogação quase dispensável "Brasil, País do Passado?"
Trata-se de um título alusivo ao célebre ensaio de Stefan Zweig, "Brasil, País do Futuro", publicado em 1941, durante o Estado Novo getuliano, que aliás recebeu o escritor austríaco com todas as galas e badalos, como se fosse a gostosíssima e deslumbrante Marlene Dietrich.
Na mesma época, aqui aportaram o cineasta norte-americano Orson Welles e o psicanalista vienense Wilhelm Stekel, o qual deve ser considerado o Stefan Zweig na divulgação da psicanálise em jornais e revistas. Não se esqueça do detalhe de que Stefan e Stekel foram amigos de Sigmund Freud lá na Áustria.
Dos três intelectuais, Freud foi o único que não veio conhecer estas plagas tropicais, embora se interessasse em estudar gramática portuguesa para aprender o idioma última flor do Lácio.
Pensando bem, Freud deveria ter vindo para cá, desembarcado em plena praça Mauá do Rio de Janeiro; talvez ele não morresse de câncer em 1938 se tivesse mudado o tipo de charuto. Certamente os rumos da cultura ocidental teriam sido outros.
Ainda que traga artigos sobre Antonio Callado, Darcy Ribeiro, João Antônio e Betinho, a preocupação fundamental deste livro é com Stefan Zweig e seu retrato otimista do Brasil. Verificamos a mesma monomania de sempre acerca do intelectual vienense amalucado que se matou junto com mulher no paraíso, pois lugar de se suicidar é no inferno, e não em Petrópolis, lindo pedaço de serra fluminense que na década de 40 ainda não havia se cercado de favelas por todos os lados.
Outra lengalenga repetida neste livro, fruto talvez de uma visão teutopetista do Estado Novo, é a acusação absurda de que Getúlio Vargas teria cacifado, patrocinado, jabaculado, molhado a mão de Stefan para que escrevesse um livro com o propósito de enaltecer o Brasil, pois somente assim se explicaria o fato estranho de o escritor, tão refratário aos regimes totalitários, não ter percebido a existência da ditadura estadonovista.
Não apenas não viu aqui ditadura alguma, como elogiou a sociabilidade, a cordialidade, o pacifismo e a ausência de racismo. Stefan ficou deslumbrado pelo Brasil, pela floresta dos trópicos, pela clorofila, pela exuberância vegetal, pela energia verde, pela abundância do hidrato de carbono, enfim, vislumbrou aqui uma civilização dos trópicos e escreveu a respeito um livro importante que até hoje é lido na Europa, França e Bahia.
Curiosamente, os intelectuais paulistas ficam sacaneados, com a pulga atrás da orelha, de Stefan ter se ligado menos no modernismo de 22 do que no pré-moderno Afrânio Peixoto, o professor de medicina que sapecou um romance ambientado em Petrópolis, a Salzburgo do rio Piabanha, mas infelizmente uma Salzburgo desprovida de biblioteca, de que aliás se queixava amargamente Stefan Zweig.
Os petropolitanos, como informa o romancista serrano Júlio Ambrósio, até hoje se sentem traumatizados pelo suicídio de Stefan Zweig; acontece, no entanto, que ele teria se matado em Berlim ou em Quixeramobim. Destarte, sobre o poeta Kleist e o seu suicídio junto com a amante na Alemanha, Stefan escreveu artigo premonitório do que ele mesmo faria 30 anos depois, em Petrópolis. Suicídio estético.
Quem sacou o motivo psicológico de seu esdrúxulo suicídio foi o grande médico brasileiro Silva Mello (1886-1973), proprietário de uma granja belíssima perto do Quitandinha, em Petrópolis, para quem Stefan Zweig -filho caçula, rico e mimado, com excessivo amor-próprio e complexo de superioridade- tomou o veneno mortal no dia mais feliz de sua vida, gozando de saúde magnífica, excelente situação financeira, abraçado à mulher, porque era um suicida fanático do infinito.
Stefan queria era sair narcisisticamente desta, a tempo e no auge da glória. Sua derradeira glória foi o suicídio na pacata Petrópolis de 1942.


Brasil, País do Passado?
   
Autores: Ligia Chiappini, Antonio Dimas e Berthold Zilly
Editora: Edusp/Boitempo
Quanto: R$ 26 (376 págs.)





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