São Paulo, sábado, 20 de janeiro de 2001

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"UM PEQUENO SIM E UM GRANDE NÃO"

Livro reúne lembranças de George Grosz, o homem

FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REDAÇÃO

George Grosz não é dos expressionistas mais frequentemente associados ao movimento que consagrou Van Gogh e Munch, a partir do final do século 19. De fato, o artista alemão (1893-1959) pertenceu a uma das vertentes menos conhecidas por aqui, a chamada Nova Objetividade. Firmada após a Primeira Guerra Mundial, retratava satírica, porém diretamente, a realidade da Alemanha derrotada no conflito.
Não se espere, porém, que salte das páginas de "Um Pequeno Sim e um Grande Não" alguma das explicações acima. A autobiografia de George Grosz, escrita em Nova York -onde o artista se refugiara da perseguição nazista em 32 e onde morreria-, em 1946, não se enquadra na categoria de "relato que justifica uma existência". Cabe-lhe melhor o título de "memórias", compreendido aí o tom muito pessoal desse tipo de narrativa.
Grosz já adverte, no prefácio: "Graças a Deus, não é possível fotografar as recordações. Aqui nos Estados Unidos, porém, o leitor quer receber tudo nítido, fotográfico. (...) Se a seguir eu for menos "fotográfico" aqui e acolá, isso não tem nada a ver com o fato de que o desvão da velha casa de Berlim onde guardava documentos, cartas e recortes foi bombardeado". E assim ele desfila fatos e casos, sem, porém, preocupar-se com a linearidade, didatismos ou precisão cronológica.
Assim, durante os três primeiros capítulos, o leitor vê o futuro expressionista lembrar-se de sua infância camponesa e protestante da Pomerânia, pontuada pela leitura de narrativas heróicas e pelo contato com ilustradores que retratavam monges e hussardos, o exemplo que o jovem Grosz desejava seguir.
Depois, vemos como o adolescente admira os cânones da Real Academia de Arte de Dresden, onde estuda, enquanto as vanguardas européias do modernismo começavam a surgir, inclusive na Alemanha. "O grupo artístico de Dresden conhecido por Die Brücke (A Ponte) seguia pegadas antigas. Eram os pintores que queriam pintar feito negros selvagens, com apenas quatro ou cinco das cores básicas (...). Na cidade de Sindelsheim, perto de Munique, os cavaleiros azuis (referência ao grupo abstracionista Der Blaue Reiter, o Cavaleiro Azul) faziam suas estripulias (...)."
Durante quase um terço do volume, nem um traço nos indica como o menino sonhador, fascinado por ilustradores de folhetins, iria se transformar num artista politizado. Eis que surge "A Descoberta do Recruta Grosz", como se chama o sexto capítulo. O artista vai à Primeira Guerra e crava a pedra fundamental da arte que o faria famoso. A descrição histórica, ainda que muitas vezes entremeada por contos pessoais - como o retrato de um mecenas ou de um excêntrico metafísico- , torna-se, então, um outro ponto positivo do livro.
Até pela proximidade temporal, a Segunda Guerra é muito mais presente na literatura contemporânea. O livro de Grosz nos dá a oportunidade de compreender melhor a dimensão do primeiro embate mundial, ainda que por pinceladas.
A partir daí, a habilidade pictórica de Grosz se traduz em descrições cruas. O texto ganha em ritmo e interesse à medida que o pintor da Nova Objetividade sucede ao menino camponês deslumbrado com os padrões acadêmicos.
A ascensão do nazismo acaba forçando a mudança de Grosz para os Estados Unidos, país que já o fascinara desde as histórias em quadrinhos que lia na Pomerânia. Lá, como conta, sua arte conduziu-se para perto da natureza e longe das pessoas. Giulio Carlo Argan diz, em seu "Arte Moderna", que, "sem o estímulo da revolta política, seu veio se esgota". O próprio Grosz não via assim.
"Não foi fuga nem evasão, foi um processo de chegar perto e de adentrar um novo espaço. No que diz respeito aos meus patrícios, já não tinha expressado meus sentimentos quanto a eles em milhares de desenhos?"
Não é papel do crítico de arte lembrar que um artista também é um homem, muitas vezes pragmático, com necessidades a sanar. Mas "Um Pequeno Sim e um Grande Não" aproxima os leitores desse homem. É, como se disse, um livro de lembranças, e não o relato de uma trajetória artística.


Um Pequeno Sim e um Grande Não
Ein Kleines Ja und ein Grobes Nein
   
Autor: George Grosz
Tradutor: Salvador Pane Paruja
Editora: Record
Quanto: R$ 40 (352 págs.)






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