São Paulo, sábado, 20 de janeiro de 2007

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Crítica/romance

Escritor explora mundo medieval em obra

CRÍTICO DA FOLHA

O entrecho de "Erec e Enide" pode espantar os que estão mais acostumados aos enredos vagamente policiais da série do detetive Carvalho. A trama cerca uma família e, ao contrário do ponto de vista mais ou menos único proporcionado pelo gastrônomo inspetor, a perspectiva aqui se desdobra em três.
Num dos focos, o especialista em literatura medieval Julio Matasanz se prepara, na ilha de San Simón, para receber as homenagens como professor emérito -ou seja, conforme ele diz, apronta-se para "sua morte como catedrático". A pompa e a circunstância armadas na ilha que já foi presídio franquista são grandes. Até o rei lhe manda uma nota de júbilo.
O segundo ponto de vista é da mulher de Julio, Madrona Mistral de Pamies, herdeira de família rica e tradicional de Barcelona. Sua vida conjugal transformou-se no acordo tácito, carinhoso, mas sem paixão, que muitas vezes estabelecem os casais mais maduros.
Pedro é o terceiro elo familiar. Filho de um irmão de Madrona, morto num acidente junto com a esposa, foi criado pelos tios. Médico, casou-se com uma enfermeira, Myriam, e, com ela, ingressou nas lides dos Médicos sem Fronteiras na América Central.
Se os relatos de Julio e de Madrona se desenvolvem como monólogos interiores, o de Pedro é narrado em terceira pessoa, num ritmo de romance de aventuras.
Há uma quarta estrutura narrativa, porém, presente desde o título e que preside, de modo subjacente, as demais. É a história de Erec e Enide, contada por Chrétien de Troyes, no século 12. A novela de Troyes, que Julio examina em sua conferência em San Simón, é a primeira da série arturiana, mas perdeu prestígio para as mais badaladas aventuras de Percival e de Lancelote.
Erec, o mais jovem dos cavaleiros da famosa Távola, renuncia às guerras em nome de sua amada Enide, o que gera a crítica de seus pares. Assim, para provar tanto seu amor como seu valor como guerreiro, Erec deixa a mulher expor-se aos perigos, dos quais ele a defende.
A história de Pedro e de Myriam é quase toda calcada na de Erec e Enide, mas o próprio Julio não percebe isso. Para Montálban, a possibilidade de aventura e de amor verdadeiros parece ser possível apenas às margens do capitalismo e distante do acomodamento burguês. (MARCELO PEN)

EREC E ENIDE    
Autor: Manuel Vázquez Montalbán
Tradução: Paulina Wacht e Ari Roitman
Editora: Alfaguara
Quanto: R$ 35,90 (256 págs.)


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