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A VOZ DO SAMBA
Para Zé Ketti, Carnaval rima com roubo
Compositor, de
76 anos,
vivendo
modestamente
no Rio, revela o
pouco valor que
o país dá aos
formadores de
sua cultura
SÉRGIO MALBERGIER
enviado especial ao Rio
O Carnaval está chegando e Zé
Ketti sabe que será roubado de novo. "Máscara Negra", o seu maior
sucesso, lhe rendeu no ano passado apenas cerca de R$ 6 mil pelas
execuções na época da festa.
Se o hino carnavalesco foi executado pelo menos uma vez nos 1.075
bailes de Carnaval computados em
97 pelo Ecad (órgão que repassa os
direitos autorais aos compositores) -a R$ 28,86 por execução-,
o montante passaria para R$ 31
mil, a ser dividido com herdeiros
do co-autor, Hildebrando Pereira.
É por essas que o compositor,
aos 76 anos, nunca saiu do Brasil,
não tem carro e vive modestamente num apartamento apertado em
Inhaúma, zona norte do Rio.
"Ninguém nunca está satisfeito
com o tal do direito autoral", ironiza Ketti, sem perder a verve poética. Ele ainda está meio cambaleante, nesta manhã de domingo,
após ser acordado pela reportagem às 11h -horário acertado para a entrevista.
Ketti foi dormir às 4h por causa
de uma festa em homenagem ao
compositor Lamartine Babo
(1904-63). No café da manhã, ele
manda pão com margarina e dois
ovos, apesar de ter sofrido uma cirurgia no coração no ano passado.
"Chega o Carnaval e é automático. Quem não toca 'Máscara Negra'?", diz e depois cantarola "Ó
quanto riso, ó quanta alegria...".
"Compositores e pessoas como
o Zé Ketti deveriam estar com a vida ganha", diz Paulinho da Viola,
apelidado e lançado por Ketti.
"Ele é um dos maiores compositores. Seu fraseado, sua melodia, é
um estilo só dele."
Ketti, nascido José Flores de Jesus, é visto pelos historiadores do
samba como uma das primeiras
conexões entre os "compositores
do morro", como Cartola, e os intelectuais da zona sul carioca.
Ele trabalhou como ator, assistente de câmera e compôs a música-tema "A Voz do Morro" ("Eu
sou o samba, a voz do morro..."),
do filme "Rio 40 Graus", de Nelson Pereira dos Santos (1955).
Em 1964, estreou no show "Opinião", marco do teatro engajado,
no papel de um malandro de morro. Contracenava com Nara Leão,
depois substituída por Maria Bethânia, e o compositor maranhense João do Vale, no papel de um
retirante nordestino. João do Vale
morreu quase miserável em 96.
Além de temas sociais politizados, Zé Ketti trouxe também mais
melodia ao batuque do samba.
"Ele é um compositor de samba
muito importante. Tem uma melodia incrível", diz o historiador e
cronista do samba Sérgio Cabral.
O condomínio em que Zé Ketti
mora foi construído pelo sindicato
dos músicos na década de 60 para
garantir um teto aos quase sempre
mal pagos profissionais de música.
Dona Ivone Lara, Elza Soares, Ângela Maria e Toni Tornado são alguns dos que passaram por lá.
Três dos seis filhos de Ketti moram no condomínio e cuidam do
pai com dedicação. Ele vive com o
dinheiro da aposentadoria -trabalhou como escriturário do
INPS- e com os repasses do Ecad
(de R$ 1.200 a R$ 2.000 por mês,
segundo os filhos).
Não é pobre para os padrões dos
miseráveis da MPB, mas tem direito a muito mais.
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