São Paulo, terça-feira, 20 de fevereiro de 2001

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"O PAÍS INVENTADO"

Mostra de Antonio Dias opta pelo formalismo

FELIPE CHAIMOVICH
ESPECIAL PARA A FOLHA

"O País Inventado" apresenta um Antonio Dias formalista. A curadoria privilegiou a formação do vocabulário plástico do artista em detrimento do percurso histórico que atravessa as últimas quatro décadas.
O formalismo exclui todo aspecto social da análise dos objetos de arte. É um modelo teórico que floresceu durante a Guerra Fria, nas áreas sob domínio norte-americano. No Brasil, enraizou-se profundamente e até hoje domina nossa história da arte.
A primeira obra exposta representa o engajamento do jovem artista paraibano contra o então recém-instalado governo militar. "O Laço: Eu e Você" (1965) evidencia o experimentalismo técnico de Dias, com 20 anos à época. Estruturas tentaculares avançam agressivamente sobre o espectador, num estilo que despertou a atenção de importantes teóricos internacionais que lutavam contra a hegemonia estética da abstração. Contudo, a partir desse ponto, o espectador é confrontado com opções equivalentes.
Tanto pode virar à direita quanto à esquerda, numa disposição simétrica de conjuntos igualados pelo percurso da curadoria, embora completamente diferentes.
À direita está a produção conceitual iniciada em fins dos anos 60, momento em que Dias passa a escrever em inglês nas próprias peças. Durante o pior período da repressão militar, o artista troca o colorido por campos em preto-e-branco que simulam céus estrelados, como em "Qualquer Lugar É Minha Terra" (1968) .
À esquerda encontram-se peças da década de 90, cuja referência é a pele do artista. Dias começou a trabalhar com o corpo durante a década de 70, como se pode ver no vídeo "A Ilustração da Arte 1". No entanto tal elemento parece emergir diretamente do conjunto político inicial, se seguirmos a interpretação do MAM.
A seguir vem o conjunto mais enigmático do artista: os papéis do Nepal. Há um silenciamento de Dias, até então politicamente engajado, como que caindo num niilismo plácido, movido pela busca de formas e materiais de uma cultura alienígena.
A curadoria prova, então, sua tese. O próximo núcleo evidencia a exploração de um vocabulário plástico fechado em si mesmo durante as décadas de 80 e 90. Cruzes, falos e cantos ausentes repetem-se em pinturas, papéis e instalações, evidenciando a aceitação do artista dos padrões que passam a constituir a própria arte.
Uma última surpresa aguarda o espectador que crê já ter mapeado a gramática de Dias. "Uma Mosca no Meu Filme", instalação de 76, mostra uma desconcertante situação de domesticidade: aprisionamento, repetição, procriação e morte. Parece a declaração final do fatalismo que envolve a mostra: por mais que Dias tenha ousado na experimentação de diferentes mídias e intenções políticas, a arte torna-se uma profissão que impõe as necessidades ao artista e determina-lhe o ciclo de vida.
A mostra acaba por iluminar retrospectivamente a trajetória de Dias em conformidade com sua obra mais recente.
A crítica à história e à sociedade, desaparecida após o período nepalês, acaba por desaparecer também da memória sobre uma das produções de maior impacto internacional surgidas do combate antiimperialista.


O País Inventado
   
Artista: Antonio Dias
Onde: MAM-SP (pq. Ibirapuera, portão 3, tel. 0/xx/11/5549-9688)
Quando: ter., qua. e sex.: 12h às 18h; qui.: 12h às 22h; sáb. e dom.: 10h às 18h. Até 8/4
Quanto: R$ 5 (qui. após 17h e ter., entrada franca)





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