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FESTIVAL DE BERLIM
Radical reconstrução berlinense finalmente chega à mostra
AMIR LABAKI
EM BERLIM
Moritz de Hadeln não teria
se despedido ontem da direção da Berlinale caso tivesse
apresentado na edição do cinquentenário em 2000 o bom nível
médio do evento deste ano. A
competição manteve um patamar
aceitável, porém com raros picos.
Faltaram estrelas (Sean Connery, Juliette Binoche e o homenageado Kirk Douglas foram as
principais exceções), mas público
e profissionais lotaram o tempo
todo a nova sede em torno da
Marlene-Dietrich Platz, na antiga
Berlim socialista.
"Intimacy" (Intimidade), o primeiro filme em língua inglesa do
francês Patrice Chéreau, levou
com todos os méritos o último
Urso de Ouro da era Hadeln. É
um drama romântico a um só
tempo terno e visceral, baseado
num romance e num conto do escritor britânico Hanif Kureishi.
Um gerente de bar (Mark
Rylance) e uma atriz de teatro de
bairro (Kerry Fox) iniciam um caso exclusivamente sexual, com
encontros regulares às quartas-feiras. Logo saberemos que há
tempos ele abandonou mulher e
dois filhos, enquanto ela mantém
um casamento em banho-maria
com um taxista.
São 30 minutos de sexo muitas
vezes explícito seguidos por hora
e meia de mergulho na desordem
amorosa. Há em "Intimacy" algo
de "O Último Tango em Paris". A
comparação honra a ambos.
Rylance e Fox têm desempenhos extraordinários e poderiam
ambos ter saído premiados. O júri
preferiu contudo celebrar apenas
o trabalho dela, destinando o prêmio de melhor ator ao eficiente
Benício del Toro de "Traffic". O
tempo fará justiça a Rylance.
O cinema asiático brilhou menos na mostra competitiva do que
em anos anteriores, mas acabou
conquistando um duplo reconhecimento. Ambos destacam o aparecimento de novos talentos.
Wang Xiao-shuai levou o Grande Prêmio do Júri ao celebrar a
herança neo-realista com o sensível "Beijing Bicycles" (Bicicletas
de Pequim).
Por sua vez, Ling Chin-sen, de
Taiwan, ficou com o prêmio de
direção por "Betelnut Beauty",
um simpático retrato de um amor
entre "outsiders" na presente Taipé.
Outro Urso de Prata foi merecidamente atribuído a "Italiensk for
Begyndere" (Italiano para Iniciantes), da dinamarquesa Lone
Scherfig. Oxigenando as produções do Dogma 95, Scherfig realizou a primeira verdadeira comédia do movimento, a partir dos
encontros e desencontros de solitários da periferia de Copenhagen. Campeão das premiações
paralelas, incluindo a da crítica,
foi de longe o concorrente mais
popular deste ano. Não surpreende que tenha batido longe nas bilheterias dinamarquesas os episódios iniciais do movimento triunfal de sua despretensão, ironia e
delicadeza.
Embora fora da disputa principal, a produção brasileira saiu-se
muito bem. O curta gaúcho "O
Branco", de Liliana Sulzbach e
Angela Pires, recebeu uma menção especial do júri do Festival de
Cinema Infantil. É um lírico estudo do cotidiano de um garoto cego em Porto Alegre.
No ciclo paralelo Panorama,
tanto "Latitude Zero", de Toni
Venturi, quanto "Memórias Póstumas", de André Klotzel, estrearam com sessões totalmente lotadas e colheram fortes aplausos e
elogiosas discussões. Foi o lançamento internacional do tenso
drama de Venturi e a première
mundial da divertida versão de
Klotzel para o clássico de Machado de Assis. Também foi bem recebido o curta experimental "Palíndromo", de Philippe Barcinski,
que mostra de trás para frente, literalmente, o trágico dia de um
executivo na avenida Paulista.
Berlim 2002 assistirá a uma dupla troca de direção. Dieter Kosslick assume a Berlinale em março
próximo, vindo do apoio regional
à produção alemã, enquanto
Christoph Terhechte sucede Ulrich Gregor à frente do Fórum Internacional do Jovem Cinema. O
primeiro é um nome de ruptura, o
segundo, de continuidade. Demorou, mas a radical reconstrução berlinense chegou também ao
festival.
Amir Labaki esteve em Berlim como
membro do júri da crítica internacional
(Fipresci)
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