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TELEVISÃO
Elenco sem estrelas é estratégia da Globo para aumentar voyeurismo no "Big Brother" e concorrer com "Casa"
SBT cria versão "light" de "reality show"
MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA
Todos criticaram a suposta ineficácia da Rede Globo,
que, em vez de imitar o buraco da
fechadura bem-sucedido de Silvio
Santos, teimou em escalar um
elenco sem estrelas e carisma para
o "Big Brother Brasil", baseando-se em castings de "No Limite".
Já a "Casa dos Artistas 2" tem
um elenco de bem famosos e conhecidos, que formou uma roda
logo na primeira noite e fez um
pacto de não-agressão. Parece um
elenco do bem.
"Casa" com "artistas" carrega
um contra-senso: personalidades
não irão tão baixo na exibição de
suas atividades e expressões privadas. Tiazinha não chamará a
Feiticeira de "piranha" nem exibirá seu traseiro para as câmeras,
como já aconteceu no "BBB".
Especialmente porque agora todos sabem que existe uma multidão (e contratos em branco) do
outro lado do espelho repercutindo o que acontece entre as quatro
paredes. "Casa 2" deve servir a
quem, se quem vê quer o lixo?
Entende-se agora que a tal ineficácia da Globo era, na verdade,
uma estratégia: sem famosos, o
fogo no circo é mais devastador.
"BBB" é mais sádico. No primeiro
dia, colocou os participantes dentro de um carro sob o sol, em que
não podiam dormir nem urinar.
A Feiticeira se sujeitaria a isso?
Em "BBB", as eliminações são
explícitas -eliminadores e eliminados convivem juntos ainda alguns dias-, já se disse "se essa
cadela vier aqui, eu meto o pé", já
se chamou uma participante de
"biscateira" e "vagaba", e duas
mocinhas pediram aos companheiros para derrubarem cera
quente em seus corpos numa noite regada. E rola mais sexo.
A maior tensão em "Casa dos
Artistas 1" foi quando Frota chamou Mari Alexandre de "pata".
Na "Casa", rola mais romantismo, sutileza, culpa e saudades das
conexões do mundo externo. O
SBT faz um programa "fake",
uma brincadeirinha, como a mulher-gorila de "freak shows", que
parece que vai agredir a platéia,
mas revela logo o truque. E Silvio
já anunciou que não há regras
preestabelecidas e que a produção
as modifica ao seu bel-prazer.
Até o "start" do programa, no
último domingo, indicou que é
tudo apenas um show de não-calouros, molecagem que imprimiu
uma derrota humilhante à ex-todo-poderosa Rede Globo, que pegou pesado: seus anônimos são
capazes de coisas inimagináveis
para "artistas" que têm treinamento, assessores que corrigem
desvios e imagem pública a zelar.
O que indica que a Globo se inspirou no antigo SBT, aquele do
"Aqui e Agora", enquanto o SBT,
com ares de líder de audiência,
reinventa a realidade e um gênero, "reality show", com inocentes
mentirinhas.
O voyeur profissional, sádico,
com desvios psíquicos, vai preferir o "BBB". Aqueles de estômagos mais sensíveis, que costumam
assistir à TV com toda a família,
devem ficar com a "Casa dos Artistas". A Globo demonstra que
não é mais a mesma, e o SBT parece criar um padrão para continuar líder do horário. Uma emissora virou a outra.
Detalhe. Enquanto um indivíduo comum hoje tem acesso a um
número infindável de informações, aqueles que estão no "Big
Brother" e na "Casa" não têm
idéia do que rola aqui fora.
Se estivessem lá no dia 11 de setembro passado, não saberiam
dos atentados às torres em Nova
York; as pessoas da primeira "Casa" não tinham idéia se o Brasil
conseguira se classificar para a
Copa do Mundo.
A alienação do mundo real é um
dos atrativos desses "reality
shows": ver gente que não vê o
que rola na TV e não tem acesso a
vídeo, jornal, internet, telefone,
fax, celular, pager etc.
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