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São Paulo, quinta-feira, 20 de fevereiro de 2003

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TEATRO/CRÍTICA

Marco de atuação torna "Longa Jornada" inesquecível

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

A encenação de Naum Alves de Souza para "Longa Jornada de um Dia Noite Adentro" apresenta o claro signo das grandes encenações: faz soar o silêncio.
A sinfonia das entonações, do murmúrio ao uivo, a delicada trama de ressentimentos e acusações, ódio e ironia, medo e amor, de quando em quando dá lugar a uma pausa plena, senão de serenidade, ao menos de resignação. Valorizado por uma trilha quase incidental, o silêncio que se instaura faz compartilhar o presente como um momento único e inesquecível. Para isso serve o teatro.
Tal resultado, obviamente, é fruto de uma lenta maturação. Naum diz ter começado a escrever teatro por paixão a este texto, e sua encenação rica de detalhes revela a intimidade que tem com ele. O mérito da obra de Eugene O'Neill não está no fato de ser autobiográfica: fosse apenas um acerto de contas, não teria o mérito de chegar ao pungente sem cair no piegas, temperando o melodrama com amarga auto-ironia.
Das longas cinco horas previstas no texto original, foram tiradas três, que estabelecem sem pressa o dia e a noite em que Mary, ao pressentir que seu filho caçula Edmund vai para o sanatório de tuberculosos, volta ao vício da morfina, enquanto seu marido James, ex-grande ator e agora um frustrado sovina, se afoga no uísque, sem poder condenar o primogênito Jamie e a criada Cathleen por fazer o mesmo.
A sufocante trama avança em temas e variações e propõe aos atores um desafio de personagens que se afundam cada vez mais na embriaguez, sem perder a sutileza de pequenas e pungentes revelações. Bem amparados na fluente tradução de Barbara Heliodora, cada ator tem direito a seu mergulho no fundo do poço.
Se Flávia Guedes estréia muito bem como Cathleen, suprindo com humor contagiante o necessário contraste à atmosfera opressiva, Marco Antônio Pâmio exagera às vezes no tom, chamando atenção mais para sua expressão do que para seu sentimento. Patético, Genézio de Barros cresce na parte final da peça, quando se revela um canalha e, contraditoriamente, ganha em humanidade.
A atuação de Cleyde Yáconis e Sergio Britto são um marco na historia do teatro brasileiro, fosse só pelo fato de que essa geração pioneira chega à plenitude de sua experiência. Quando Britto estreou profissionalmente, teve que envelhecer artificialmente para compor o seu papel.
Livre da "composição que tranca o caminho da emoção", segundo seus próprios termos, Britto realiza agora o projeto que tem desde 1977 fazendo um James com o privilégio da simplicidade. Sem amenizar o odioso do personagem, o apresenta com tanta empatia que torna plausível o amor que a família ainda tem por ele. Yáconis, do alto da sua maturidade, pode cometer a proeza de rejuvenescer ao longo da peça, o que torna inesquecível suas últimas palavras, quando busca resgatar sua felicidade. Pena que Naum ceda na última hora à tentação de concretizar o nevoeiro, metáfora-chave da peça. São os atores que tornam inesquecível essa "Longa Jornada", e não seria preciso nada além deles.


Longa Jornada de um Dia Noite Adentro     
Direção: Naum Alves de Souza
Com: Sergio Britto e Cleyde Yáconis
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r. Álvares Penteado, 112, Centro, tel. 0/xx/ 11/3113-3651)
Quando: qui. a dom., às 19h30; até 9/3
Quanto: R$ 15
Patrocinador: Banco do Brasil



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