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TEATRO/CRÍTICA
Marco de atuação torna "Longa Jornada" inesquecível
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
A encenação de Naum Alves de Souza para "Longa
Jornada de um Dia Noite Adentro" apresenta o claro signo das
grandes encenações: faz soar o silêncio.
A sinfonia das entonações, do
murmúrio ao uivo, a delicada trama de ressentimentos e acusações, ódio e ironia, medo e amor,
de quando em quando dá lugar a
uma pausa plena, senão de serenidade, ao menos de resignação.
Valorizado por uma trilha quase
incidental, o silêncio que se instaura faz compartilhar o presente
como um momento único e inesquecível. Para isso serve o teatro.
Tal resultado, obviamente, é
fruto de uma lenta maturação.
Naum diz ter começado a escrever teatro por paixão a este texto,
e sua encenação rica de detalhes
revela a intimidade que tem com
ele. O mérito da obra de Eugene
O'Neill não está no fato de ser autobiográfica: fosse apenas um
acerto de contas, não teria o mérito de chegar ao pungente sem cair
no piegas, temperando o melodrama com amarga auto-ironia.
Das longas cinco horas previstas no texto original, foram tiradas três, que estabelecem sem
pressa o dia e a noite em que
Mary, ao pressentir que seu filho
caçula Edmund vai para o sanatório de tuberculosos, volta ao vício
da morfina, enquanto seu marido
James, ex-grande ator e agora um
frustrado sovina, se afoga no uísque, sem poder condenar o primogênito Jamie e a criada Cathleen por fazer o mesmo.
A sufocante trama avança em
temas e variações e propõe aos
atores um desafio de personagens
que se afundam cada vez mais na
embriaguez, sem perder a sutileza
de pequenas e pungentes revelações. Bem amparados na fluente
tradução de Barbara Heliodora,
cada ator tem direito a seu mergulho no fundo do poço.
Se Flávia Guedes estréia muito
bem como Cathleen, suprindo
com humor contagiante o necessário contraste à atmosfera opressiva, Marco Antônio Pâmio exagera às vezes no tom, chamando
atenção mais para sua expressão
do que para seu sentimento. Patético, Genézio de Barros cresce na
parte final da peça, quando se revela um canalha e, contraditoriamente, ganha em humanidade.
A atuação de Cleyde Yáconis e
Sergio Britto são um marco na
historia do teatro brasileiro, fosse
só pelo fato de que essa geração
pioneira chega à plenitude de sua
experiência. Quando Britto estreou profissionalmente, teve que
envelhecer artificialmente para
compor o seu papel.
Livre da "composição que tranca o caminho da emoção", segundo seus próprios termos, Britto
realiza agora o projeto que tem
desde 1977 fazendo um James
com o privilégio da simplicidade.
Sem amenizar o odioso do personagem, o apresenta com tanta
empatia que torna plausível o
amor que a família ainda tem por
ele. Yáconis, do alto da sua maturidade, pode cometer a proeza de
rejuvenescer ao longo da peça, o
que torna inesquecível suas últimas palavras, quando busca resgatar sua felicidade. Pena que
Naum ceda na última hora à tentação de concretizar o nevoeiro,
metáfora-chave da peça. São os
atores que tornam inesquecível
essa "Longa Jornada", e não seria
preciso nada além deles.
Longa Jornada de um Dia Noite
Adentro
Direção: Naum Alves de Souza
Com: Sergio Britto e Cleyde Yáconis
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r.
Álvares Penteado, 112, Centro, tel. 0/xx/
11/3113-3651)
Quando: qui. a dom., às 19h30; até 9/3
Quanto: R$ 15
Patrocinador: Banco do Brasil
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