São Paulo, segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006

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STONES NO RIO

No show de anteontem, Mick Jagger fez caras e bocas e Keith Richards trouxe frases diretas de guitarra

Tiozinhos abusados encarnam espírito do rock

NELSON MOTTA
COLUNISTA DA FOLHA

Veterano de quatro décadas de rock -e de praia- não me apavorei com o caos anunciado e, às 20h30 de anteontem, fiz sinal para um táxi na porta de casa, em Ipanema.
"É para Copacabana? Então estou fora, bróder, está tudo parado, tem 1 milhão de pessoas na praia." Mas o que vinha logo atrás aceitou. Pediu R$ 30 e fez um itinerário pra lá de alternativo, indo até Botafogo, passando pelo cemitério São João Batista -Nelson Rodrigues diria que até os defuntos estavam no show dos Stones-, cruzando o desprezado e medonho Túnel Velho e desembocando vitorioso em Copacabana. Caminhei apenas três quadras até o ponto de encontro dos, por assim dizer, VIPs.
Embora grato pelo privilégio, estava morrendo de vergonha de andar com aquela camiseta pela rua, com medo de ser apedrejado pela galera revoltada -do jeito que as coisas vão no Rio, tudo pode rolar. Mas estava tudo dominado, no melhor espírito carioca sangue bom, juntou-se um grupo de VIPs encamisados e credenciados, e cruzamos o mar de gente da avenida Atlântica por um corredor formado por seguranças gigantescos. Foi emocionante.
Pulseirinha no punho, foi o tempo de pegar uma cerveja e chegar à lateral do palco quando soavam os primeiros acordes de "Jumpin" Jack Flash" e o mar de gente delirava.
Veterano de shows da banda desde 1980, senti de novo a emoção da primeira vez, em Madri. O primeiro show dos Stones é como o sutiã que não se esquece.
No Rio, o sexy-genário Mick Jagger entrou com o mesmo vigor e insolência de 20 anos atrás, em Roma, ou de dez, no Yankee Stadium de Nova York. A guitarra de Keith Richards trovejava, em suas frases simples e diretas, a essência do rock; a bateria de Charlie Watts dava peso e pulsação à base rítmica. Discreto e eficientíssimo, impassível, é o oposto desses bateristas que não tocam, espancam seus instrumentos, e fazem mais caras e bocas do que ritmo.
Já Mick Jagger continua fazendo de suas caras e bocas -e de seu corpo atrevido- a imagem de seu som e de suas palavras. E que palavras! Blasfêmias, palavrões, sexo, drogas, perversões. Quem encarna mais o espírito do rock do que esses tiozinhos abusados? Haveria Nirvana ou U2 sem os Stones?
Ver esses senhores, na plenitude de sua arte pop, dá a sensação de que nessa praia -rock and roll- é impossível fazer melhor. Talvez diferente, mas melhor do que os Rolling Stones, só os Rolling Stones 25 anos depois.


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