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STONES NO RIO
No show de anteontem, Mick Jagger fez caras e bocas e Keith Richards trouxe frases diretas de guitarra
Tiozinhos abusados encarnam espírito do rock
NELSON MOTTA
COLUNISTA DA FOLHA
Veterano de quatro décadas de rock -e de praia-
não me apavorei com o caos
anunciado e, às 20h30 de anteontem, fiz sinal para um táxi na porta de casa, em Ipanema.
"É para Copacabana? Então estou fora, bróder, está tudo parado, tem 1 milhão de pessoas na
praia." Mas o que vinha logo atrás
aceitou. Pediu R$ 30 e fez um itinerário pra lá de alternativo, indo
até Botafogo, passando pelo cemitério São João Batista -Nelson
Rodrigues diria que até os defuntos estavam no show dos Stones-, cruzando o desprezado e
medonho Túnel Velho e desembocando vitorioso em Copacabana. Caminhei apenas três quadras
até o ponto de encontro dos, por
assim dizer, VIPs.
Embora grato pelo privilégio,
estava morrendo de vergonha de
andar com aquela camiseta pela
rua, com medo de ser apedrejado
pela galera revoltada -do jeito
que as coisas vão no Rio, tudo pode rolar. Mas estava tudo dominado, no melhor espírito carioca
sangue bom, juntou-se um grupo
de VIPs encamisados e credenciados, e cruzamos o mar de gente da
avenida Atlântica por um corredor formado por seguranças gigantescos. Foi emocionante.
Pulseirinha no punho, foi o
tempo de pegar uma cerveja e
chegar à lateral do palco quando
soavam os primeiros acordes de
"Jumpin" Jack Flash" e o mar de
gente delirava.
Veterano de shows da banda
desde 1980, senti de novo a emoção da primeira vez, em Madri. O
primeiro show dos Stones é como
o sutiã que não se esquece.
No Rio, o sexy-genário Mick
Jagger entrou com o mesmo vigor
e insolência de 20 anos atrás, em
Roma, ou de dez, no Yankee Stadium de Nova York. A guitarra de
Keith Richards trovejava, em suas
frases simples e diretas, a essência
do rock; a bateria de Charlie
Watts dava peso e pulsação à base
rítmica. Discreto e eficientíssimo,
impassível, é o oposto desses bateristas que não tocam, espancam
seus instrumentos, e fazem mais
caras e bocas do que ritmo.
Já Mick Jagger continua fazendo de suas caras e bocas -e de
seu corpo atrevido- a imagem
de seu som e de suas palavras. E
que palavras! Blasfêmias, palavrões, sexo, drogas, perversões.
Quem encarna mais o espírito do
rock do que esses tiozinhos abusados? Haveria Nirvana ou U2
sem os Stones?
Ver esses senhores, na plenitude
de sua arte pop, dá a sensação de
que nessa praia -rock and roll-
é impossível fazer melhor. Talvez
diferente, mas melhor do que os
Rolling Stones, só os Rolling Stones 25 anos depois.
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