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Crítica/"Rio Congelado"
Modelo de "cinema social" encobre fórmulas de longa
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
O risco de toda nova tendência é acabar levando a inovação a se cristalizar em padrão. O oxigênio
trazido pelo cinema social europeu, por exemplo, converteu-se num modelo do qual
seus próprios criadores têm
tentado criar linhas de fuga.
Quando cai na mão de diretores sem projetos, a tendência
não demora a revelar sua face
de fórmula. É o que se vê em
"Rio Congelado", Grande Prêmio do Júri do Festival de Sundance no ano passado.
Sua protagonista, Ray, é como as personagens sem rumo
de Ken Loach ou os excluídos
do universo dos Dardenne, ou
seja, alguém que vive num limiar imposto pela invisibilidade da injustiça social.
Ray é também uma mãe coragem, que se expõe aos riscos
das contravenções para dar
proteção aos filhos, uma casa
com bom aquecimento e um
presente desejado na noite de
Natal. Contra ela estão os homens, traidores, canalhas, perseguidores ou sanguessugas.
Nesta condição imposta, Ray
se aproxima de Lila, uma garota
de etnia mohawk, ou seja, índia
americana, paradigma da exclusão do sonho civilizatório e
condenada a sobreviver no interior de uma reserva nos confins da fronteira com o Canadá.
As personagens são ainda
lançadas em situação de risco,
utilizando o tráfico de humanos como fonte rápida e volumosa de renda.
Nessa operação
ilegal teremos chineses, paquistaneses e bebês jogados à
lixeira, modos de reiterar que
em seu modo de funcionamento o "sistema" produz excrescências e que isso impõe uma
progressiva desumanização.
Tais são as "lições" de
"Rio...", um filme no qual a
mensagem preexiste a qualquer projeto de acontecer como cinema. Como os valores de
sua proposta são humanistas, o
espectador é forçado a uma
adesão emocional, a se solidarizar com os perdedores que o
longa nos impõe, pois é com a
figura do sacrificado que nossa
piedade entra em sintonia.
Nada mais sintomático, portanto, que no papel de Ray tenhamos uma atriz capaz de sobrecarregar a personagem com
"força", com "verdade", exibindo as rugas e as marcas do tempo na carne. Não é por acaso
também que tal "entrega ao
personagem" tenha garantido a
Melissa Leo, intérprete de Ray,
uma vaga na corrida ao Oscar
de melhor atriz. Ela é o par perfeito para o Ram de Mickey
Rourke em "O Lutador".
Nesses filmes, a proeminência de uma pauta social, sobretudo em tempos de crise, condiciona o julgamento de suas
qualidades estéticas. Trata-se
de ficções oportunistas, eficazes ao provocar catarses em
quem se sente lesado pelo modelo social que aprovamos. Por
isso, devem despertar desconfianças sobre sua sinceridade.
RIO CONGELADO
Produção: EUA, 2008
Direção: Courtney Hunt
Com: Melissa Leo, Misty Upham
Onde: a partir de hoje no Cine Bombril,
HSBC Belas Artes e circuito
Classificação: não indicado a menores
de 14 anos
Avaliação: regular
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