São Paulo, sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

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Crítica/"Rio Congelado"

Modelo de "cinema social" encobre fórmulas de longa

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

O risco de toda nova tendência é acabar levando a inovação a se cristalizar em padrão. O oxigênio trazido pelo cinema social europeu, por exemplo, converteu-se num modelo do qual seus próprios criadores têm tentado criar linhas de fuga.
Quando cai na mão de diretores sem projetos, a tendência não demora a revelar sua face de fórmula. É o que se vê em "Rio Congelado", Grande Prêmio do Júri do Festival de Sundance no ano passado.
Sua protagonista, Ray, é como as personagens sem rumo de Ken Loach ou os excluídos do universo dos Dardenne, ou seja, alguém que vive num limiar imposto pela invisibilidade da injustiça social. Ray é também uma mãe coragem, que se expõe aos riscos das contravenções para dar proteção aos filhos, uma casa com bom aquecimento e um presente desejado na noite de Natal. Contra ela estão os homens, traidores, canalhas, perseguidores ou sanguessugas.
Nesta condição imposta, Ray se aproxima de Lila, uma garota de etnia mohawk, ou seja, índia americana, paradigma da exclusão do sonho civilizatório e condenada a sobreviver no interior de uma reserva nos confins da fronteira com o Canadá. As personagens são ainda lançadas em situação de risco, utilizando o tráfico de humanos como fonte rápida e volumosa de renda.
Nessa operação ilegal teremos chineses, paquistaneses e bebês jogados à lixeira, modos de reiterar que em seu modo de funcionamento o "sistema" produz excrescências e que isso impõe uma progressiva desumanização.
Tais são as "lições" de "Rio...", um filme no qual a mensagem preexiste a qualquer projeto de acontecer como cinema. Como os valores de sua proposta são humanistas, o espectador é forçado a uma adesão emocional, a se solidarizar com os perdedores que o longa nos impõe, pois é com a figura do sacrificado que nossa piedade entra em sintonia.
Nada mais sintomático, portanto, que no papel de Ray tenhamos uma atriz capaz de sobrecarregar a personagem com "força", com "verdade", exibindo as rugas e as marcas do tempo na carne. Não é por acaso também que tal "entrega ao personagem" tenha garantido a Melissa Leo, intérprete de Ray, uma vaga na corrida ao Oscar de melhor atriz. Ela é o par perfeito para o Ram de Mickey Rourke em "O Lutador".
Nesses filmes, a proeminência de uma pauta social, sobretudo em tempos de crise, condiciona o julgamento de suas qualidades estéticas. Trata-se de ficções oportunistas, eficazes ao provocar catarses em quem se sente lesado pelo modelo social que aprovamos. Por isso, devem despertar desconfianças sobre sua sinceridade.


RIO CONGELADO

Produção: EUA, 2008
Direção: Courtney Hunt
Com: Melissa Leo, Misty Upham
Onde: a partir de hoje no Cine Bombril, HSBC Belas Artes e circuito
Classificação: não indicado a menores de 14 anos
Avaliação: regular



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