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CINEMA
Cronenberg e Wenders exibem obras marcantes
LEON CAKOFF
em Berlim
Apesar de uma impressão sempre igual de que saímos de Berlim
sem uma nova explosão criativa, o
festival chega ao fim com uma boa
coleção de imagens e obras marcantes para excitar os cinéfilos no
ano que se inicia. Vamos a elas:
"Mifune - Dogma 3". O terceiro
longa dinamarquês que diz obedecer a uma série de preceitos pela
purificação do cinema. "Festa de
Família" e "Os Idiotas" foram os
dois primeiros. Um dos mandamentos do manifesto dogmático é
que o diretor não seja creditado.
Mas como evitar dizer que "Mifune" é dirigido por Soren Kragh-Jacobsen? A sensação que o terceiro
manifesto provoca é que essa grande jogada de marketing dissemina
uma nova ordem calvinista. O calvinismo cinematográfico que quer
se bater agora também contra os
prazeres visuais e emocionais que
o cinema passa. Se não, por que essa frente contra as melhores conquistas do cinema que estão numa
boa iluminação, nas boas lentes e
num bom som? Fora isso, construir o frágil roteiro de "Mifune"
com uma prostituta de luxo e um
débil mental soa tão artificial
quanto um filme com Bruce Willis.
"Karnaval", do estreante francês
Thomas Vincent. Com a doce figura de Sylvie Testud como mulher
de província às voltas com o marido violento e um amante árabe em
pleno carnaval de abusos etílicos.
Candidata natural a melhor atriz.
"The Last Days", do estreante
americano James Moll. A produção de Steven Spielberg para manter vivas as memórias do Holocausto. A narração vem de cinco
personagens de origem húngara
que escaparam dos campos de
concentração nazistas. Candidato
ao Oscar de melhor documentário.
"Entre las Piernas", do espanhol
Manuel Gómez Pereira. Um ótimo
título. Trata de viciados em sexo
que buscam cura numa associação. É onde os incuráveis Victoria
Abril e Carmelo Gómez se conhecem e criam o clima de "film noir".
"Shakespeare Apaixonado", do
inglês John Madden, é uma típica
emoção pré-fabricada para fazer
chover Oscar na sua horta. Melhor
dizendo, na horta absolutista da
Miramax. É apenas um filme bonitinho para fazer suspirar corações
adolescentes.
"Three Seasons", do estreante
americano Tony Bui, é a prova
maior de que o Sundance Festival é
mais um blefe do que realmente
um estímulo para novos talentos.
O filme passado no Vietnã é enfadonho, pesado, amador.
"La Niña de Tus Ojos", do espanhol Fernando Trueba, visita os estúdios alemães da UFA no nazismo. Atores espanhóis são convidados para rodar uma co-produção
em Berlim. Vira chanchada.
"Ça Commence Aujourd'Hui", do
mestre Bertrand Tavernier, aborda
o desemprego na França por meio
das aflições de crianças e pais de
uma escola maternal. Uma obra
humanista rara neste festival.
"eXistenZ", do canadense David
Cronenberg, que cria, com mais
uma obra desconcertante, uma nova via sexual: um buraco repugnante, na base da coluna cervical,
que se alimenta de nervos de pequenos monstros extraídos por
uma indústria de videogames. O
clima é orwelliano, as premissas,
kafkianas. O jogo orgânico nunca
termina. À parte os prazeres e horrores do jogo, Cronenberg cita Salman Rushdie como seu inspirador.
E Jennifer Jason Leigh vive a criadora de jogos invasores do sistema
nervoso, perseguida e condenada à
morte. O melhor de Cronenberg.
"Keiho", do japonês Yoshimitsu
Morita. Também um dos melhores
do festival. Mas difícil, para ser visto e revisto. Tem o julgamento de
um presumível assassino. Mais do
que isso, oferece uma radiografia
profunda da sociedade japonesa.
O julgamento tem revelações estonteantes sobre os crimes monstruosos da narrativa. Candidato a
cult e ao Urso de Ouro.
"Simon Magus", do estreante inglês Ben Hopkins, foi uma agradável surpresa. A notícia da expansão
ferroviária motiva um jovem idealista judeu a arquitetar uma estação, um mercado aos pés da sua
pobre aldeia. Cabe ao louco rejeitado da aldeia aproximar o resto do
mundo a esse universo ortodoxo: o
da cobiça, do amor, da literatura,
dos poetas e da razão.
"Buena Vista Social Club", de
Wim Wenders, resgata a triste resistência cubana por sua música e
de seus veteranos mestres. Graças
à pesquisa musical do guitarrista
Ry Cooder, para um disco que
também leva o nome do filme, figuras legendárias e esquecidas como o dos cantores Omara Portuondo e Comapy Segungo voltam
a ser ovacionados. Além do registro das gravações, o documentário
oferece os melhores momentos
dos espetáculos do grupo em Amsterdã e Nova York. Imperdível.
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