São Paulo, segunda-feira, 20 de março de 2000


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ARTES PLÁSTICAS
Quadro "Brasil, Cinco Séculos de Luta", de Aparecida Azedo, 71, aguarda patrocínio público
Tela colore história do Brasil em 19 cenas

O Descobrimento naïf


Aparecida Azedo, 71, conclui a tela "Brasil, Cinco Séculos de Luta", com 24,7 m de extensão por 1,42 m de altura, inspirada na "Tapeçaria de Bayeux" (1080) e ainda inédita e sem patrocínio; obra naïf, de arte primitiva, conta história do Brasil em 19 cenas


Zulmair Rocha/Folha Imagem
O Descobrimento do Brasil retratado no quadro "Brasil, CincomSéculos de Luta", de Aparecida Azedo


MARCELO BERABA
Diretor da Sucursal do Rio

Está pronta, guardada a sete chaves e em busca de patrocínio para a sua instalação a maior pintura naïf do mundo. Naïf (pronuncia-se na-if) é palavra francesa, recém-adotada pelo "Novo Aurélio Século 21", com o significado de arte primitiva e popular.
É uma tela de 24,7 m de extensão por 1,42 m de altura, pintada ao longo de cinco anos por uma das mais importantes artistas do gênero, Aparecida Azedo, 71 anos, seis filhos, 15 netos e um bisneto.
O quadro -"Brasil, Cinco Séculos de Luta"-, encomendado pelo Museu Internacional de Arte Naïf (Mian), do Rio, conta a história do Brasil numa sequência de 19 cenas abundantemente coloridas e que intercalam episódios históricos e representações dos ciclos econômicos.
Começa com os índios descobrindo os portugueses, recebendo espelhos de Pedro Álvares Cabral e guerreando. E termina com a inauguração de Brasília, um grande palanque onde se espremem Jânio Quadros, João Goulart, Juscelino Kubitschek e Fidel Castro.
Os episódios foram escolhidos a partir de um pequeno roteiro feito pela professora de história Adriana Moretta Monteiro. Mas as cores, a perspectiva, os traços, as licenças pictóricas e históricas são de Aparecida Azedo.
A leitura que faz é sempre crítica e bem-humorada, às vezes inspirada em episódios que viveu. Como foi o caso do enterro de Getúlio Vargas, em agosto de 1954. Aparecida era do PCB (Partido Comunista Brasileiro) desde 1946 e tinha se mudado de São Paulo para o Rio.
Quando Vargas se matou, ela foi para as ruas engrossar os protestos contra a UDN. A cena, que retrata de memória, tem uma faixa com uma das palavras de ordem da esquerda da época: "A Petrobras é nossa".
Entre os figurantes da manifestação pintados por ela está o seu marido, o jornalista Raul Azedo, já morto e que na ocasião acabou preso quando a polícia tentou dissolver a manifestação. No meio do cortejo, também aparece a cantora Carmen Miranda.
Os episódios históricos são 12: o Descobrimento (1500), a primeira missa, a saga dos bandeirantes (séc. 17), a Inconfidência Mineira (1789), a chegada da Família Real portuguesa ao Rio (1808), a Independência (1822), a Abolição da Escravatura (1888), a Proclamação da República (1889), a Revolução de 30, o suicídio de Vargas (1954) e a inauguração de Brasília (1960).
E há os ciclos econômicos retratados: pau-brasil, cana-de-açúcar, ouro, gado e algodão, café, borracha, petróleo e o início da industrialização.
O projeto do quadro monumental é do francês Lucien Finkelstein, o criador do Museu Naïf do Rio, e foi inspirado na tapeçaria exposta no Centre Guillaume-le-Conquérant (Guilherme, o Conquistador), em Bayeux, na Normandia, norte da França.
A "Tapeçaria de Bayeux", fabricada por volta de 1080, tem 70 m de extensão e conta, como se fosse uma história em quadrinhos, o cotidiano do século 11 e a conquista da Inglaterra (1066, com a batalha de Hastings) por Guilherme, duque da Normandia.
A idéia original de Finkelstein era a de entregar cada episódio da história do Brasil a um pintor naïf diferente. Seria montado, então, no museu que ele já projetava, mas que ainda não tinha sede, um grande painel com o conjunto de telas produzidas.
A primeira encomenda foi feita, em 1990, exatamente a Aparecida Azedo. Ela só pintava, até então, paisagens e evitava figuras humanas. A explicação para esse bloqueio era política.
Azedo começou a pintar regularmente a partir de 1968, o período de maior endurecimento do regime militar. "Foi a pior fase do Brasil", recorda-se. "Acho que por isso é que eu não pintava figuras, só paisagens. Tinha medo de a polícia reconhecer as pessoas pintadas."
Mesmo assim, ela topou pintar o tema pedido por Finkelstein, uma expedição dos bandeirantes. Finkelstein gostou do trabalho e decidiu encomendar toda a obra para Azedo. Durante cinco anos seguidos, ela se dedicou ao quadro, que ficou pronto em 1995.
Vale tomar emprestado, para o quadro de Azedo, o entusiasmo do crítico de arte E.H. Gombrich em relação à "Tapeçaria de Bayeux", também ingênua e crítica: "Quando o artista medieval não tinha modelo para copiar, desenhava um pouco como uma criança. É fácil sorrir dele, mas é muitíssimo difícil fazer o que ele fez. Conta-nos a epopéia com tanta economia de meios e tamanha concentração no que lhe parecia ser importante que o resultado final permanece mais memorável do que as imagens realistas dos nossos cinegrafistas e correspondentes de guerra".
A tela ainda não tem chassi nem moldura, está enrolada e nunca foi exposta. Segundo Finkelstein, pouquíssimas pessoas tiveram a oportunidade de vê-la.
A razão para tanto segredo é simples: Finkelstein quer uma exposição que cause grande impacto e que transforme a obra, tal como a "Tapeçaria de Bayeux", num grande monumento de atração turística e documento histórico. Desde o ano passado, o projeto previa inaugurar a instalação em abril próximo, associando-a às comemorações do Descobrimento. Para isso, eram necessários patrocínios, que foram buscados na Unesco, na Comissão do 5º Centenário e nos governos estadual e municipal.
A Unesco e o governo federal aprovaram o projeto, mas não tinham recursos. A instalação depende, agora, das secretarias Estadual e Municipal de Cultura. O orçamento inicial (cerca de R$ 220 mil) foi considerado alto e está sendo recalculado.
Vânia Bonelli, secretária municipal de Cultura, informou que o painel será instalado, mas não mais em abril. O secretário estadual, Adriano Aquino, garantiu a instalação, mas sem data para a liberação dos recursos.
O projeto inicial previa, além da instalação dos 24,7 m de quadro ao longo de três paredes do museu, a produção de um CD-ROM, de um livro e de um vídeo. O mais provável é que os dois governos assumam inicialmente apenas a instalação, a divulgação e a edição de um guia. Os outros projetos ficariam para uma fase seguinte.


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