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TELEVISÃO CRÍTICA
"Aurora" leva marca de Murnau à TV paga
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Em geral, lembramos de 1927
como o ano de "O Cantor de
Jazz", o momento em que o cinema passou de mudo a sonoro.
Mas 1927 é sobretudo o ano de
"Aurora", que o canal Telecine 5
exibe hoje, às 22h.
É possivelmente a primeira vez
que um filme mudo passa em TV
paga, com a vantagem de que a
música foi gravada a partir da
partitura original.
A revolução de "Aurora" não se
mede pela bilheteria do filme e,
sim, pela influência que exerceu
sobre os cineastas norte-americanos. Não há um que não tenha ficado extasiado pela técnica soberba que o alemão F.W. Murnau
(1888-1931) introduzia.
A história contada é, no caso, o
que menos importa: um homem
simplório deixa-se seduzir por garota e pelos prazeres da cidade,
negligenciando a própria mulher.
O que vemos, porém, é fenomenal: toda uma cidade reproduzida
em estúdios (os cenários construídos em perspectiva davam
grandeza e profundidade; os figurantes também eram dispostos
em perspectiva -nas partes de
trás, crianças faziam o papel de
adultos); movimentos de câmera
assombrosos; a capacidade de
narrar uma história visualmente
como nunca se vira antes.
De um modo ou de outro, praticamente todos os grandes cineastas americanos responderam ao
impacto de "Aurora". King Vidor
admite que, sem "Aurora", não
teria concebido "A Turba"
("Crowd"), feito um ano depois,
marcado pela histórica cena inicial (o plano se abre num geral de
um enorme escritório cheio de
mesas uniformes, com pessoas
uniformes, e aos poucos aproxima-se, até isolar em primeiro plano o protagonista do filme).
Outros, como Howard Hawks,
confessam que tentaram copiar
os complexos movimentos de câmera e a concepção de luz de
Murnau, com resultados pífios.
Neste caso, "Aurora" terá servido
para indicar o caminho pessoal
que deveria seguir (em Hawks, o
dos movimentos discretíssimos,
da "câmera à altura do homem",
da iluminação seca, sem efeitos).
Por adesão ou por oposição, a
influência foi imensa.
Embora tenha sido rodado nos
EUA, "Aurora" tem um quê inegavelmente germânico. As brumas, a cidade feérica, o caráter um
tanto abstrato dos personagens
são marcas características dos
anos 20 na Alemanha e, em particular, do estilo cintilante de Murnau (não por acaso, vendo-o trabalhar na Alemanha, alguns anos
antes, Hitchcock também tratou
de copiar sua técnica).
Murnau chegou aos EUA em
1926 com carta branca, fato raro
em Hollywood, liberdade para
gastar o quanto entendesse e para
fazer seu filme como quisesse.
Vinha precedido por sucessos
como "Nosferatu" (1922) e "Fausto" (1926). Era o homem que mais
profundamente concebera o cinema, até ali (e talvez para sempre),
como arte autônoma do olhar, livre de influências teatrais e literárias. O filme teve prestígio e repercussão imensos, mas não foi o sucesso que se esperava. Fez ainda
três filmes lá, antes de morrer em
um desastre de automóvel.
"Aurora" não é programa para
quem chega em casa cansado e
quer um pouco de evasão. Mas
qualquer um que pretenda, ainda
hoje, compreender o que é cinema ou se exercitar com uma câmera não pode perder a chance de
vê-lo. Ainda temos muito a
aprender com Murnau.
Avaliação:
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