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ARNALDO JABOR
Viva a catástrofe! Os bons tempos voltaram!
Sempre que há uma catástrofe nacional, irrompe uma
euforia de cabeça para baixo. É
como se a opinião pública dissesse: "Eu não avisei? Bem que eu falei, não adianta tentar que sempre dá tudo errado...".
Há um grande amor brasileiro
pelo fracasso. Quando ele acontece, é um alívio. O fracasso é bom
porque nos tira a ansiedade da
luta. Já perdemos, para que lutar?
A plataforma afundando suavemente nos dá uma sensação de
realidade. Parece o Brasil indo a
pique -o grande desejo oculto
da sociedade alijada dos podres
poderes políticos, que giram sozinhos como parafusos espanados.
Não é uma ameaça de CPI, não
é um perigo de crash da Bolsa. É
morte, gás e fogo. E nossa vida fica mais real e podemos, então,
aliviados, botar a culpa em alguém.
Chovem cartas de leitores nos
jornais. Todas exultam de indignação moral, todas denotam incompreensão com o programa do
governo de reformar o sistema,
programa muito "macro", mal
explicado, "muito cabeça" para a
população.
Nada como um desastre ou escândalo para acalmar a platéia. E
a oposição, aliada à oligarquia,
usa bem isso. Danem-se as questões importantes, dane-se a crise
externa, dane-se tudo. Bom é fofoca e denúncia. A finalidade da
política é impedir o país de fazer
política. Nada acontece, dando a
impressão de que muito está
acontecendo.
Há uma tradição colonial de
que nossa vida é um conto-do-vigário em que caímos. Somos sempre vítimas de alguém. Nunca somos nós mesmos. Ninguém se
sente vigarista.
O fracasso nos enobrece. O culto
português à impossibilidade é famoso. Numa sociedade patrimonialista como Portugal do séc. 16,
em que só o Estado-Rei valia, a
sociedade era uma massa sem vida própria. Suas derrotas eram
vistas com bons olhos, pois legitimavam a dependência ao rei. Fomos educados para o fracasso.
Até hoje somos assim. Só nos resta
xingar e desejar o mal do país.
Quem tem coragem de ir à TV e
dizer: "O Brasil está melhorando!", mesmo que esteja? Ninguém
diz. É feio. Falar mal do país é
uma forma de se limpar. Sentimo-nos fora do poder, logo é normal sabotar. A plataforma da Petrobras afundando derreteu feito
bala de açúcar na boca dos golpistas.
O fracasso é uma vitória para
muitos. Não fui eu que fracassei,
foi o governo, o "neoliberalismo".
O maior inimigo da democracia é
a aliança entre o ideologismo regressista e a oligarquia vingativa.
Nossos heróis todos fracassaram.
Enforcados, esquartejados, revoltas abortadas, revoluções perdidas. Peguem um herói norte-americano: Paul Revere, por
exemplo. Cavalgou 24 horas e
conseguiu salvar tropas americanas na Guerra da Independência.
Foi o herói da eficiência. Aqui, só
os fracassados verão Deus.
"Seja marginal, seja herói." O
fracasso é legal, a vitória é careta.
A vitória dá culpa, o fracasso é
um alívio. A vitória é burguesa. A
crise, a catástrofe, o bode preto
têm um sabor de "revolução". É
como se a explosão "revelasse" algo, uma tempestade de merda purificadora. Além disso, para os
carbonários, depois de tudo arrasado, a pureza renasceria do zero.
Assim pensava Pol Pot.
A crise brasileira atual começou
com um procurador maluco, uma
fita mal gravada, e tudo foi coroado com a plataforma afundando.
O que moveu Luiz Francisco e
ACM foi a esperança do caos.
Luiz Francisco se acha o missionário da catástrofe. Ele é o ideólogo da explosão de furúnculos. Ele
acredita no pus revelador. ACM
quer levar em seu declínio o país
todo com ele, cair destruindo, numa espécie de triunfo ao avesso.
Ele é o último bastião do patrimonialismo tradicional, resistindo
ao capitalismo impessoal.
Espalhou-se a teoria de que o
problema do Brasil é "moral". Este "bonde" funk de neo-udenismo
psicótico, este lacerdismo tardio,
este trenzinho de "janismo" com
"collorismo" visam impedir a modernização do país, sob a capa do
"amor". São a favor da moralidade, mas contra a lei de Responsabilidade Fiscal.
Esta onda de moralismo delirante busca impedir a reforma
das instituições, que estimulam a
imoralidade. ACM, tocando
trombone sob um telhado de vidro, é o grande exemplo. Luiz
Francisco, com boquinha de ânus
e vozinha de padre, outro.
Nossos intelectuais se deliciam
numa teoria barroca da "zona"
geral. O Brasil é visto como um
grande "bode" sem solução, o paraíso dos militantes imaginários.
Quem quiser positividade é traidor. A miséria tem de ser mantida
"in vitro" para justificar teorias e
absolver inações. A academia cultiva o "insolúvel" como uma flor.
Quanto mais improvável um objetivo, mais "nobre" continuar
tentando. O masoquista se obstina com fé no impossível.
Há um negativismo crônico no
pensamento brasileiro. Paulo
Prado contra Gilberto Freyre. Para eles, a esperança é sórdida, a
desconfiança é sábia: "Aí tem
dente de coelho, "alguma" ele
fez...".
Jamais perdoarão FHC por ter
abandonado a utopia tradicional
e aderido à "realpolitik". Quase
nenhum "progressista" tentou
ajudá-lo nessa estratégia. Quem
tentou foi queimado como áulico
ou traidor, pela plêiade dos canalhas e ignorantes. Talvez tenha sido um dos maiores erros da chamada "esquerda", talvez a maior
perda de oportunidade da história. Agora, os corruptos com que
FHC se aliou para poder governar
querem afogá-lo na lama.
A "realpolitik" virou "shit politics".
Assim como o atraso sempre foi
uma escolha consciente no século
19, o abismo para nós é um desejo
secreto. Há a esperança de que,
no fundo do caos, surja uma solução divina. "Qual a solução para
o Brasil?", perguntam. Mas a própria idéia de "solução" é um culto
ao fracasso. Não lhes ocorre que a
vida seja um processo, vicioso ou
virtuoso, e que só a morte é solução.
Vejam como o Brasil se animou
com a crise atual. Dólar alto, plataforma afundando, Jader x
ACM, tudo parado. Ôba! É o velho Brasil descendo a ladeira! Viva! Os bons tempos voltaram!
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