São Paulo, domingo, 20 de março de 2005

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TELEVISÃO

Documentário "A Caminho de Bagdá" conta trajetória do diplomata brasileiro, morto em 2003 em atentado no Iraque

Jornalista traça percurso de Vieira de Mello

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

"Fiz um documentário sobre o homem que acreditava piamente nos valores do multilateralismo e sobre como ele pôs em prática os valores que defendia. Senti-me compelida a mostrar sua vida e seu sucesso profissional... O filme é minha descoberta de um brasileiro tão desconhecido entre nós, brasileiros, antes da morte."
As afirmações são de Simone Duarte, 37, jornalista e cineasta, que dirigiu "A Caminho de Bagdá", sobre a trajetória profissional do brasileiro Sérgio Vieira de Mello, que comandava a missão da ONU no Iraque quando, em 19 de agosto de 2003, foi morto num atentado terrorista.
Duarte, que chefiou o escritório da TV Globo em Nova York e trabalhou na missão da ONU em Timor Leste, em 1999 e em 2000, foi indicada ao Prêmio Emmy Internacional pela cobertura do 11 de Setembro realizada pela Globo.
O documentário será exibido na próxima terça no Canal Brasil.

 

Folha - O que a motivou a fazer este documentário?
Simone Duarte -
Trabalhei com Sérgio em Timor Leste durante cinco meses, a partir do fim de 99. Eu o conhecera antes, em Nova York, quando ele era subsecretário de Assuntos Humanitários. Quando ele voltou de Kosovo, decidi fazer uma reportagem sobre ele, pois não era conhecido no Brasil, embora seu trabalho fosse admirado no mundo todo.
Em seguida, porém, ele foi indicado para chefiar a missão da ONU em Timor Leste e fui trabalhar com ele. Acompanhava Sérgio e os líderes timorenses nas viagens, pois era responsável por jornalistas estrangeiros e via como eles se comportavam. Numa das viagens, [José] Ramos-Horta [Nobel da Paz em 1996 e chanceler atual de Timor Leste] o classificou como "o Pelé da diplomacia".
Quando ele morreu, eu chefiava o escritório da Globo em Nova York e percebi que os brasileiros não conheciam a importância dele. Surgiu, então, a vontade de contar sua história por meio de sua trajetória profissional, pois eu sabia que, para ele, a ONU era importante. Quis, então, que as pessoas que o conheceram ao longo dos anos contassem essa história.

Folha - Por que você escolheu só alguns países específicos?
Duarte -
Escolhi três países que caracterizavam sua carreira e o Iraque, onde ela terminou. O primeiro foi Moçambique, onde tudo começou. Ele foi ao país na década de 70. O jovem que fizera parte da luta estudantil em Paris, em 1968, foi repleto de sonhos ao primeiro país negro e comunista da África. Trata-se de um momento em que ele era um idealista, que queria mudar o mundo.
O segundo foi o Camboja, na década de 90, onde ele foi responsável pela repatriação de 370 mil refugiados que estavam na Tailândia. Foi uma das situações mais difíceis da história do Acnur [Alto Comissariado da ONU para Refugiados], porque as pessoas tinham de ser repatriadas, mas o local que as receberia estava minado, além das divisões internas.
Sérgio era pragmático e sabia que, além da mise-en-scène diplomática, era preciso arregaçar as mangas e trabalhar com interlocutores que podiam fazer as coisas avançarem. Ele não respeitava cegamente os mecanismos diplomáticos porque sabia que era preciso mais do que isso.
O terceiro país que escolhi foi Timor Leste porque quis mostrar o lado político de Sérgio. Ele sabia que era importante ter talento político para resolver os problemas e tinha uma noção clara do contexto político que envolvia as missões humanitárias da ONU.
Quanto ao Iraque, decidi fugir ao chavão de mostrar as imagens do atentado e concentrei-me na questão da legitimidade. Quis investigar por que aquele atentado ocorrera. Foi algo único na história da ONU porque, teoricamente, ela não tinha de estar no país.

Folha - Trata-se, então, de um filme sobre o funcionário internacional, não sobre a pessoa?
Duarte -
Exato. Fiz um documentário sobre o homem que acreditava piamente nos valores do multilateralismo e sobre como ele pôs em prática os valores que defendia. Senti-me compelida a mostrar sua vida e seu sucesso profissional. A vida pessoal não era importante nesse contexto.
Quando comecei a fazer o documentário, que é um tributo a Sérgio, já conhecia sua história e seu trabalho. Durante as filmagens, no entanto, fui descobrindo um personagem muito mais forte do que eu imaginava no início. Entrevistamos mais de 60 pessoas -40 aproximadamente estão no filme- em quatro continentes.
Do rei do Camboja à viuva de um motorista moçambicano, a emoção era a mesma ao falar de Sérgio. É muito forte ver que uma pessoa consegue se conectar com tantas outras, independentemente da raça, da etnia, da religião ou da nacionalidade. O filme é minha descoberta de um brasileiro tão desconhecido entre nós, brasileiros, antes de sua morte.


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