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TELEVISÃO
Documentário "A Caminho de Bagdá" conta trajetória do diplomata brasileiro, morto em 2003 em atentado no Iraque
Jornalista traça percurso de Vieira de Mello
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
"Fiz um documentário sobre o
homem que acreditava piamente
nos valores do multilateralismo e
sobre como ele pôs em prática os
valores que defendia. Senti-me
compelida a mostrar sua vida e
seu sucesso profissional... O filme
é minha descoberta de um brasileiro tão desconhecido entre nós,
brasileiros, antes da morte."
As afirmações são de Simone
Duarte, 37, jornalista e cineasta,
que dirigiu "A Caminho de Bagdá", sobre a trajetória profissional
do brasileiro Sérgio Vieira de Mello, que comandava a missão da
ONU no Iraque quando, em 19 de
agosto de 2003, foi morto num
atentado terrorista.
Duarte, que chefiou o escritório
da TV Globo em Nova York e trabalhou na missão da ONU em Timor Leste, em 1999 e em 2000, foi
indicada ao Prêmio Emmy Internacional pela cobertura do 11 de
Setembro realizada pela Globo.
O documentário será exibido na
próxima terça no Canal Brasil.
Folha - O que a motivou a fazer
este documentário?
Simone Duarte - Trabalhei com
Sérgio em Timor Leste durante
cinco meses, a partir do fim de 99.
Eu o conhecera antes, em Nova
York, quando ele era subsecretário de Assuntos Humanitários.
Quando ele voltou de Kosovo, decidi fazer uma reportagem sobre
ele, pois não era conhecido no
Brasil, embora seu trabalho fosse
admirado no mundo todo.
Em seguida, porém, ele foi indicado para chefiar a missão da
ONU em Timor Leste e fui trabalhar com ele. Acompanhava Sérgio e os líderes timorenses nas
viagens, pois era responsável por
jornalistas estrangeiros e via como eles se comportavam. Numa
das viagens, [José] Ramos-Horta
[Nobel da Paz em 1996 e chanceler
atual de Timor Leste] o classificou
como "o Pelé da diplomacia".
Quando ele morreu, eu chefiava
o escritório da Globo em Nova
York e percebi que os brasileiros
não conheciam a importância dele. Surgiu, então, a vontade de
contar sua história por meio de
sua trajetória profissional, pois eu
sabia que, para ele, a ONU era importante. Quis, então, que as pessoas que o conheceram ao longo
dos anos contassem essa história.
Folha - Por que você escolheu só
alguns países específicos?
Duarte - Escolhi três países que
caracterizavam sua carreira e o
Iraque, onde ela terminou. O primeiro foi Moçambique, onde tudo começou. Ele foi ao país na década de 70. O jovem que fizera
parte da luta estudantil em Paris,
em 1968, foi repleto de sonhos ao
primeiro país negro e comunista
da África. Trata-se de um momento em que ele era um idealista, que queria mudar o mundo.
O segundo foi o Camboja, na
década de 90, onde ele foi responsável pela repatriação de 370 mil
refugiados que estavam na Tailândia. Foi uma das situações
mais difíceis da história do Acnur
[Alto Comissariado da ONU para
Refugiados], porque as pessoas tinham de ser repatriadas, mas o
local que as receberia estava minado, além das divisões internas.
Sérgio era pragmático e sabia
que, além da mise-en-scène diplomática, era preciso arregaçar
as mangas e trabalhar com interlocutores que podiam fazer as coisas avançarem. Ele não respeitava
cegamente os mecanismos diplomáticos porque sabia que era preciso mais do que isso.
O terceiro país que escolhi foi
Timor Leste porque quis mostrar
o lado político de Sérgio. Ele sabia
que era importante ter talento político para resolver os problemas e
tinha uma noção clara do contexto político que envolvia as missões humanitárias da ONU.
Quanto ao Iraque, decidi fugir
ao chavão de mostrar as imagens
do atentado e concentrei-me na
questão da legitimidade. Quis investigar por que aquele atentado
ocorrera. Foi algo único na história da ONU porque, teoricamente, ela não tinha de estar no país.
Folha - Trata-se, então, de um filme sobre o funcionário internacional, não sobre a pessoa?
Duarte - Exato. Fiz um documentário sobre o homem que
acreditava piamente nos valores
do multilateralismo e sobre como
ele pôs em prática os valores que
defendia. Senti-me compelida a
mostrar sua vida e seu sucesso
profissional. A vida pessoal não
era importante nesse contexto.
Quando comecei a fazer o documentário, que é um tributo a Sérgio, já conhecia sua história e seu
trabalho. Durante as filmagens,
no entanto, fui descobrindo um
personagem muito mais forte do
que eu imaginava no início. Entrevistamos mais de 60 pessoas
-40 aproximadamente estão no
filme- em quatro continentes.
Do rei do Camboja à viuva de
um motorista moçambicano, a
emoção era a mesma ao falar de
Sérgio. É muito forte ver que uma
pessoa consegue se conectar com
tantas outras, independentemente da raça, da etnia, da religião ou
da nacionalidade. O filme é minha
descoberta de um brasileiro tão
desconhecido entre nós, brasileiros, antes de sua morte.
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