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HOMENAGEM
Intelectuais temem que evento reforce a folclorização do país
Franceses questionam as atrações do Ano do Brasil
KÊNYA ZANATTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS
Entre o risco de cair nos clichês
tradicionais e a ambição de dar
conta da variedade da cultura nacional, o Ano do Brasil na França
divide os intelectuais do país anfitrião ouvidos pela Folha.
"O aspecto privilegiado é sempre o do Carnaval, da música popular. Os intelectuais e as grandes
obras de arte são sacrificados ao
folclore. Os franceses têm grande
dificuldade de ver os países da
América Latina por um ângulo
que não seja o do exotismo, e o
Ano do Brasil pode reforçar esses
estereótipos", avalia o historiador
Serge Gruzinski, professor na
Ehess (École des Hautes Études
en Sciences Sociales) e autor de
"O Pensamento Mestiço".
"Eu gostaria que se falasse de
Clarice Lispector, Sérgio Buarque
de Hollanda, Gilberto Freyre ou
Benedito Nunes. O Brasil tem intelectuais que podem nos fornecer categorias para pensar a Europa de hoje, a mestiçagem. Mas, se
a programação ficar somente em
torno das diversões e do espetáculo, não se aproveitará a oportunidade para descobrir outro Brasil."
O pessimismo é compartilhado
pelo sociólogo Michel Maffesoli,
professor na Sorbonne: "A minha
impressão é que se trata de um
evento muito institucional, burocrático, sem grande penetração
popular. As pessoas pensam que a
França conhece bem o Brasil, mas
para os franceses o país se resume
ao Carnaval do Rio. Aqueles que
serão envolvidos pelo evento serão os mesmos que já conhecem a
cultura brasileira, uma elite".
Mais comedida é a posição do
filósofo Jacques Leenhardt, professor na Ehess e presidente de
honra da Associação Internacional dos Críticos de Arte. Ele afirma que o diálogo permanente entre as duas culturas entra em uma
nova fase com a reorganização
política mundial, e o conhecimento mútuo se torna cada vez
mais importante. "O temor de
cair na folclorização é bem real,
mas eu acho que os organizadores
do Ano do Brasil estiveram conscientes desse perigo. Haverá também muita reflexão por meio de
colóquios e encontros. Mas a
questão é saber se o grande público vai se beneficiar disso."
Reavaliação
Leenhardt acredita que, nos últimos anos, com as Presidências
de Fernando Henrique Cardoso e
de Lula, a França começou a perceber o Brasil como "um país que
não está condenado ao exotismo"
e que deve ter seu lugar no mundo
reavaliado. Ele se diz escandalizado com a falta de meios das universidades francesas para acompanhar essa evolução: "O número
de estudantes interessados é reduzido, e há uma grande dificuldade em encontrar recursos para
a pesquisa".
No campo das artes plásticas, o
crítico lamenta a falta de conhecimento sobre a história recente da
arte brasileira: "Existe uma produção muito rica que é desconhecida na França. Um certo número
de figuras serão visíveis neste ano,
como Artur Barrio, mas ele será
arrancado do seu contexto e isso é
um grande problema".
"Todo o conhecimento do outro, da diferença, passa necessariamente por estereótipos", contemporiza Pierre Rivas, professor
de literatura comparada na Universidade Paris 10. "O Ano do
Brasil é principalmente música,
porque é uma linguagem universal, não só para a elite."
Ele concorda que as grandes exposições sobre a arte indígena e a
Amazônia terão mais chances de
atrair um público amplo, mas
aposta na redescoberta do barroco brasileiro e de artistas como
Tarsila do Amaral.
No que se refere à sua área de especialidade, Rivas se mostra menos otimista: "O governo não ajudou as traduções. Não traduziram
João Cabral de Melo Neto, mas
traduziram livros de auto-ajuda,
isso nunca existiu na tradição literária francesa".
Já um outro pesquisador da cultura brasileira, Michel Riaudel,
também da Universidade Paris 10,
evita julgar o evento antes da hora: "Não se pode entrar em uma
lógica quantitativa para medir o
número de manifestações em
quantidade ou superfície. O que
me parece importante é estimular
a curiosidade das pessoas sobre o
Brasil. Acredito que isso possa encorajar os editores a publicar mais
obras brasileiras".
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