São Paulo, domingo, 20 de março de 2005

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HOMENAGEM

Intelectuais temem que evento reforce a folclorização do país

Franceses questionam as atrações do Ano do Brasil

KÊNYA ZANATTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS

Entre o risco de cair nos clichês tradicionais e a ambição de dar conta da variedade da cultura nacional, o Ano do Brasil na França divide os intelectuais do país anfitrião ouvidos pela Folha.
"O aspecto privilegiado é sempre o do Carnaval, da música popular. Os intelectuais e as grandes obras de arte são sacrificados ao folclore. Os franceses têm grande dificuldade de ver os países da América Latina por um ângulo que não seja o do exotismo, e o Ano do Brasil pode reforçar esses estereótipos", avalia o historiador Serge Gruzinski, professor na Ehess (École des Hautes Études en Sciences Sociales) e autor de "O Pensamento Mestiço".
"Eu gostaria que se falasse de Clarice Lispector, Sérgio Buarque de Hollanda, Gilberto Freyre ou Benedito Nunes. O Brasil tem intelectuais que podem nos fornecer categorias para pensar a Europa de hoje, a mestiçagem. Mas, se a programação ficar somente em torno das diversões e do espetáculo, não se aproveitará a oportunidade para descobrir outro Brasil."
O pessimismo é compartilhado pelo sociólogo Michel Maffesoli, professor na Sorbonne: "A minha impressão é que se trata de um evento muito institucional, burocrático, sem grande penetração popular. As pessoas pensam que a França conhece bem o Brasil, mas para os franceses o país se resume ao Carnaval do Rio. Aqueles que serão envolvidos pelo evento serão os mesmos que já conhecem a cultura brasileira, uma elite".
Mais comedida é a posição do filósofo Jacques Leenhardt, professor na Ehess e presidente de honra da Associação Internacional dos Críticos de Arte. Ele afirma que o diálogo permanente entre as duas culturas entra em uma nova fase com a reorganização política mundial, e o conhecimento mútuo se torna cada vez mais importante. "O temor de cair na folclorização é bem real, mas eu acho que os organizadores do Ano do Brasil estiveram conscientes desse perigo. Haverá também muita reflexão por meio de colóquios e encontros. Mas a questão é saber se o grande público vai se beneficiar disso."

Reavaliação
Leenhardt acredita que, nos últimos anos, com as Presidências de Fernando Henrique Cardoso e de Lula, a França começou a perceber o Brasil como "um país que não está condenado ao exotismo" e que deve ter seu lugar no mundo reavaliado. Ele se diz escandalizado com a falta de meios das universidades francesas para acompanhar essa evolução: "O número de estudantes interessados é reduzido, e há uma grande dificuldade em encontrar recursos para a pesquisa".
No campo das artes plásticas, o crítico lamenta a falta de conhecimento sobre a história recente da arte brasileira: "Existe uma produção muito rica que é desconhecida na França. Um certo número de figuras serão visíveis neste ano, como Artur Barrio, mas ele será arrancado do seu contexto e isso é um grande problema".
"Todo o conhecimento do outro, da diferença, passa necessariamente por estereótipos", contemporiza Pierre Rivas, professor de literatura comparada na Universidade Paris 10. "O Ano do Brasil é principalmente música, porque é uma linguagem universal, não só para a elite."
Ele concorda que as grandes exposições sobre a arte indígena e a Amazônia terão mais chances de atrair um público amplo, mas aposta na redescoberta do barroco brasileiro e de artistas como Tarsila do Amaral.
No que se refere à sua área de especialidade, Rivas se mostra menos otimista: "O governo não ajudou as traduções. Não traduziram João Cabral de Melo Neto, mas traduziram livros de auto-ajuda, isso nunca existiu na tradição literária francesa".
Já um outro pesquisador da cultura brasileira, Michel Riaudel, também da Universidade Paris 10, evita julgar o evento antes da hora: "Não se pode entrar em uma lógica quantitativa para medir o número de manifestações em quantidade ou superfície. O que me parece importante é estimular a curiosidade das pessoas sobre o Brasil. Acredito que isso possa encorajar os editores a publicar mais obras brasileiras".


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