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CRÍTICA
"América" prenuncia tempos esquisitos
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
No cinema americano,
quando o céu se tinge de
vermelho, é sinal de que alguma
força sobrenatural está se movendo. Na novela brasileira, não
se sabe ainda o que é, exceto que
no segundo capítulo de "América" apareceu sobre São Paulo,
precedendo o encontro da quase-mocinha Sol com o bandido
Alex. Mas não deixa de ser um
indício do ar carregado que vai
tomar conta do imaginário nacional dos próximos meses.
Tempos de Gloria Perez e Jayme Monjardim na novela. Tempos de padecimentos inenarráveis -e, de fato, nesse tipo de telenovela a narrativa já quase desapareceu-, de história que anda em círculos e, como já apontou Esther Hamburger em sua
crítica ao capítulo de estréia
(Ilustrada da última quarta), de
paisagens desfilando na tela.
Com quatro capítulos decorridos no momento em que se escreve esta coluna, já dá para ter
uma idéia do volume assustador
de sofrimento que vem por aí.
Mesmo com o cipoal de nomes
-são 60 personagens-, quem
sofre e como está bem delineado:
o amor predestinado submetido
a revezes infinitos, a moça rica e
rebelde que vai ter um comportamento autodestrutivo, a infelicidade da mulher burguesa,
mães dolorosas e por aí vai.
O que permanece uma incógnita sempre que Perez assina
uma novela é que tipo de ginástica será necessária para garantir
por oito ou dez meses o ritmo
-e a audiência, claro, que começou impressionante com média
de 54, mas no terceiro capítulo já
caiu para 42 pontos no Ibope -
dessa encenação reiterativa de
emoções. Vale tudo, mas vale tudo mesmo. Lembrem-se de "O
Clone" e suas dobras espaço-temporais, seus cavalos brancos
e sua estética esotérica.
E há as questões -do tratamento justo ou injusto com os
animais, da deficiência visual, do
homossexualismo, da imigração
ilegal e sabe-se lá mais do quê.
Aliás, que questões são essas, afinal? Antes, ainda: de onde tiraram essa idéia que uma novela
tem que abordar quaisquer questões, "mostrar" alguma coisa?
Que pauta, que agenda é essa que
a TV vem escolhendo para ser
discutida pela sociedade e que
acaba sendo, de fato, dado que
alimenta matérias jornalísticas
diversas, chega às capas das revistas semanais etc.?
Parece desinformada da história da TV e, ingênua a pergunta,
mas será que mesmo assim ela
não é necessária? Sobretudo,
porque um sinal parece ter se invertido: se nos anos 70/80, a novela conseguia trazer para a ficção mudanças de comportamento e de mentalidade que estavam
sendo gestadas na vida social,
hoje a TV tem um papel muito
mais propositivo nesse sentido e
a ficção passou a ser substituída
por esse cardápio mais ou menos
aleatório de "questões".
Não se quer afirmar que elas
não existam na sociedade, mas
que sua relevância, sua dimensão, seus significados e, sobretudo, sua abrangência estão sendo
formatados antes pela novela.
Que tempos esquisitos, credo!
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