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Seinfeld
O comediante Jerry Seinfeld fala com exclusividade à Folha sobre o fim de sua série de TV, uma das mais populares de todos os tempos, já responsabilizada pela ruptura do aristotelismo na TV; "O que é isso", diz ele, "sou de Long Island!"
GERALD THOMAS
de Nova York
Repórteres de 7 telejornais estão
plantados do lado de fora do Royale Theater, na rua 45, esperando
a saída do público da peça "Art".
Vale notar que esse não é o público de estréia e, tampouco, a platéia
está coalhada de celebridades. Os
telejornais estão ávidos por entrevistar justamente o público pagante, para tentar desvendar o mistério sobre o enorme sucesso desse
espetáculo recém estreado na
Broadway. O que está deixando
muita gente perplexa e o fato de
"Art" ter esse tipo de aceitação, expondo uma discussão considerada
de elite, feita pra poucos, sem usar
nenhum efeito espetacular. No
centro da trama entre os três atores está um quadro, ou melhor,
uma tela, em branco.
"Você entende de arte?" pergunta o repórter ao primeiro que sai.
Tentando manter a calma, a senhora de aproximadamente 60
anos, que não consegue esconder
a excitação por estar "live on tv",
responde que depois de ver "Art"
ela se sente "iluminada", e que o
mistério sobre essa "arte moderna
ininteligível", finalmente, chegava
ao fim. "Agora acho que entendo
melhor a sociedade em minha volta", diz ela. Várias respostas desse
estilo se seguem e o no final da reportagem tem-se a impressão de
que o grande truque da montagem
reside em desnudar o "grande truque" da arte moderna. Quem dera
fosse isso!
O "grande truque" de "Art", na
verdade, consiste em roubar, ou
melhor, importar para esse final
de século, uma ansiedade muito
peculiar e específica do início dele:
a necessidade do artista em travar
contato com seus mecanismos intelectuais e existencialistas, relegando seus dons figurativos, impressionistas e expressionistas a
uma mera lembrança indesejável e
ingênua. Esse período, que pode-se dizer ter começado no fim
do século passado com Malevich,
que pintou o primeiro quadro de
branco (ou deixou a tela em branco), dava início a uma longa - e
até hoje incansável - jornada de
um processo de investigação do
"ser ou não ser" da arte.
Se "Art" pegasse emprestado as
últimas instâncias dessas investigações - interessantíssimas por
sinal - essa empreitada não seria
tão hipócrita. "Art" e uma empreitada oportunista. A peça jamais teria chegado a Broadway se a mulher de Sean Connery (!!!) não tivesse se apaixonado por ela e jurado sobre a Bíblia de 007 que não
viveria mais um dia se não a visse
produzida na Broadway. Connery
então tirou seus milhões da Suíça e
os transferiu para o palco da rua
45. É evidente que Connery, ou
sua mulher, jamais ouviram falar
em Malevich, Joseph Albers ou
Robert Rauschenberg, os três anti-heróis da evolução da arte que,
em décadas distintas, cobriram de
branco uma tela e, assim, pavimentaram o futuro com conjecturas profundas sobre a validade ou
não de ser artista.
Melvich pintava o branco pra escapar dos futuristas dogmáticos
da Rússia do final do século. Albers usava o branco quase como
protesto contra o funcionalismo,
imposto à arte da Bauhaus (de onde era um dos líderes) pela ascenção do nazismo. Rauschenberg
usou várias camadas de branco sobre uma tela como forma de mostrar que a tirania de Clement
Greenberg e Harold Rosenberg
(virtuais donos do movimento
monopolista abtrato-expressionista de NY dos anos cinquenta),
chegará ao fim. Greenberg, conhecido por sair na porrada com
aqueles que divergiam dele, era o
"mentor" absoluto de Jackson
Pollock e Barnet Newman, os "papas" da "flat painting" (pintura
sem profundidade). Como se vê, a
cronologia e farta no território da
discussão sobre o uso do branco
na história da arte.
Mas o que importa a cronologia
para os lucristas da Broadway?
"Art" explora a falta de conhecimento da platéia sobre assuntos
considerados herméticos ou eruditos e os reintroduz na história
como sendo novos. Ao pegar emprestado uma discussão há décadas superada e a embrulhando em
papel de presente imaculado,
"Art" presta um enorme des-serviço as questões fundamentais
desse século e desmerece a própria
dinâmica e inteligência artística
que pretende retratar. O que é
muito pior, "Art" demonstra que
o teatro demora quase um século
para absorver as importantes discussões estéticas que moldaram
nossas vidas de uma forma ou de
outra.
"Art" opta pelo humor. "Você
vai rolar de rir", exclama o crítico
Clive Barnes, do New York Post.
"Muito engraçada", escreve Ben
Bradley, do New York Times.
"Art" prega uma peça no público
desinformado e prova que a história passou a mera coadjuvante da
publicidade. Não é difícil rir de
uma discussão descontextualizada. Centrada no presente, o preço
altissimo de uma tela deixada em
branco pode - e deve - parecer
ridículo.
Como foi justamente na área da
pintura onde as mais radicais e interessantes discussões desse século se deram, não seria de admirar
se, como revanche, os pintores
contemporâneos resolvessem fazer chacota do teatro, retratando
Stanislavski ou Tchecov como a
"última" novidade. Graças a Deus
o público interessado em arte não
cairia nessa e entenderia o evento
meramente como uma piada daltônica.
e-mail: geraldthomas@uol.com.br
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