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Ah, como fingiam as mulheres dos anos 50...
NINA HORA
especial para a Folha
O disco "Tabajara Visita Sinatra" traz os anos 50 para o presente, em preto e branco, numa
madeleine meio rançosa. Ah, estes anos dourados, com seus bailecos e tudo o mais, foram um
porre. ("Heaven, I'm in heaven,
dancing cheek to cheek...")
Festas de formatura, homens e
meninos de smoking, mocinhas
bem-comportadas em organza,
organdi e tafetá changeant, pompons de tule com sombra
cor-de-rosa.
O cheiro enjoativo de líquido
de permanente permeava a década, o pano da roupa pinicava, um
eterno rodopiar kitsch pelos salões incendiados de espelhos e de
lustres quais Bovarys da várzea...
Nós, meninas do Sacré-Coeur
éramos americanas, dançando
músicas americanas com a orquestra Tabajara do Severino
Araújo.
O crooner de bigodinho era
americano e cantava as músicas
do Sinatra em inglês. Tal e qual.
A crooner de chiffon dourado
também, ambos sexy, mas de um
mundo boêmio, misterioso e não
permitido.
Eles para lá, nós para cá. Um
para lá, dois para cá, no ritmo da
música. Éramos todos exilados
americanos, mais ou menos felizes nos trópicos, e nem conhecíamos a Disneylândia.
Fingíamos, ah, como fingiam
as mulheres dos anos 50. Nós nos
sabíamos bonitas e poderosas,
mas nos comportávamos como
Santa Terezinha de plantão.
("Night and day, day and
night...")
Nos clubes, sentávamos em
mesinhas de cadeiras duras com
as mães de 30 anos que cumpriam um calvário de velhas chaperones.
Os meninos encostavam-se nas
paredes e nos devoravam com
olhos intensos.
Tinham espinhas e as mãos
suadas. Os bonitos eram um
pouco burros e os inteligentes
muito feios. ("I'm your big and
brave and handsome Romeo.")
Vivíamos no embalo do saxofone edulcorado que prometia o
céu, amor e casamento, todas
tontas, amando o amor, suspirosas tias Nastácias atingidas no
peito pela última seta de Cupido,
sonhando com Gregory Peck,
Stewart Granger e o príncipe
Phillip.
A diversão máxima era o cinema. Difícil escapar de um musical, e na melhor cena do beijo
Kathryn Grayson começava a
cantar com sua boquinha de coração, ah, como era chata...
Respondiam em dueto Howard
Keel e Mario Lanza, chatíssimos
também.
Nós, as americanas do Brasil,
líamos as revistas de cinema.
"Photoplay", "Silver Screen" e
"Motion Pictures". A "Photoplay" tinha um número especial
com endereço dos artistas, e foi
assim que recebi autógrafos de
Elizabeth Taylor e Clark Gable.
As cartas chegavam, num prodígio dos correios, com o nome
da rua errado, e Buenos Aires,
Brasil. Meu coração de 13 anos
parava. ("There's no business like show business, like show people, people I know".)
Passava as tardes tirando letras
de música do Sinatra (a palavra
mais difícil foi "sacroiliac") e Doris Day ("The very thought of
you and I forget to do...").
Mantive breve correspondência com Hedda Hopper, a colunista de fofocas de Hollywood,
que usava chapéus exóticos e não
era a Louella Parsons. Insinuou
que se hospedaria conosco se
viesse ao quarto centenário de
São Paulo, o que não se concretizou graças às rezas de meus pais.
Jessica Tandy não só mandou
autógrafo como também uma
carta gentil estranhando que tivesse uma fã em plagas tão remotas. Juntou uma foto dela muito
branca, com uma enorme testa e
olhos tristes.
Fui sócia do clube do fã de Jane
Powell, Jeffrey Hunter, Barbara
Rush, June Allyson, Walter Pidgeon, Carleton Carpenter, Pier
Angeli, Debbie Reynolds. O que
me valeu um vidão no quarto
centenário quando estiveram todos aqui. Como conseguir ser fotografada mergulhando no mundo dos nossos ícones de adolescência? Momento supremo? Inacreditável? Telefonei para a Folha, avisei que teria trânsito livre
e me arranjaram um fotógrafo de
acompanhante. Tirava as fotos
da Folha e as minhas. Seu nome
era Pirozelli.
Eram assim os 50. Severino
Araújo a todo pano regia nossas
vidas. O pique do sax cortava a
década, a realidade encoberta pela anáguas enormes de bordado
inglês. ("I don't know if we're in a
garden, or in a crowded avenue...")
Por baixo das anáguas, Grace
Metallious descobria Peyton Place e o dr. Kinsey os hábitos sexuais dos americanos. Jack Kerouac já estava on the road e o
anticoncepcional também. Trabalhava-se diligentemente para
inventar os 60. E nem nós nem a
orquestra Tabajara sabíamos de
nada. ("Blue skies smiling at me,
nothing but blue skies do I
see...")
Música digestiva, easy listening? Só para quem não viveu os
50.
Disco: Tabajara Visita Sinatra
Lançamento: Sonopress, série Anos
Dourados
Quanto: R$18 (o CD, em média)
e-mail: ninahort@uol.com.br
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