|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Pornografia? Nada disso
ALVARO MACHADO
especial para a Folha
Foi entre 1990 e 1992. A proclamada "conversão da escritora à
baixa literatura", com sua "trilogia
erótica", gerou tamanho barulho
que toda a respeitada carreira de
40 anos de poesia e ficção de Hilda
Hilst ficou obliterada.
A autora paulista passou a ser
identificada pelos leitores mais jovens e por boa parte da mídia como "pornógrafa" após o lançamento de "O Caderno Rosa de Lori
Lamby", "Contos d'Escárnio" e
"Cartas de um Sedutor".
Entrevistas indignadas ajudaram
a criar a imagem de "marginal",
pois nelas Hilda afirmava que havia escrito os livros desbocados para tentar ganhar, finalmente, algum dinheiro.
O "golpe" não trouxe compensações pecuniárias à autora e ainda
frustrou os leitores de banheiro,
pois na verdade se oferecia lebre
por gato. Na tradição iconoclasta
de Georges Bataille e Henry Miller,
a tal trilogia partia de sexo e escatologia para questionamentos de natureza metafísica, como de resto
toda a obra da escritora.
Muitos palavrões, sim, mas nada
que ver, por exemplo, com os romances de duas glórias pornográficas dos anos 60: Adelaide Carraro
e Cassandra Rios, campeãs de vendagem e de leitura clandestina.
Hilda não conseguiu se tornar a
nova Rios, pois é bem maior do
que isso. Desde 1950, publicou 19
livros de poesia e dez em prosa da
mais alta inspiração, incluindo os
títulos do escândalo.
"Quem diz isso, precisa dizer
mais", já dizia Cecília Meireles sobre seu segundo livro, "Balada de
Alzira" (52). Sua escrita múltipla
não deixou escapar nenhuma dimensão: são oito suas peças inéditas em livro, entre elas a premiada
"O Verdugo" (69).
À época da prosa até hoje insuperada de "Fluxofloema" e "Qadós"
(70/73), críticos de peso passaram
e encher laudas de análises apaixonadas sobre essa escrita, entre eles
Anatol Rosenfeld.
Há cerca de cinco anos, Hilda começou a obter reconhecimento
dos europeus, o que deu algum
alento à sua conturbada e mal administrada vida pessoal. Foi traduzida para o francês, pela editora
Gallimard, italiano e alemão.
Porém um dos elogios mais certeiros partiu de um colega escritor,
Caio Fernando Abreu, a quem ela
acolheu em seu sítio próximo a
Campinas: "Hipnótico, o discurso
de Hilda envolve como águas -às
vezes lodosas, às vezes claras- e
numa vertigem nos arrasta, de susto em susto, cada vez mais perto
daquilo que Joyce chamava de "o
selvagem coração da vida", onde
tudo pode acontecer".
Texto Anterior: "Parece que não gostam dos meus livros" Próximo Texto: Trechos Índice
|