São Paulo, Sábado, 20 de Março de 1999
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Pornografia? Nada disso

ALVARO MACHADO
especial para a Folha

Foi entre 1990 e 1992. A proclamada "conversão da escritora à baixa literatura", com sua "trilogia erótica", gerou tamanho barulho que toda a respeitada carreira de 40 anos de poesia e ficção de Hilda Hilst ficou obliterada.
A autora paulista passou a ser identificada pelos leitores mais jovens e por boa parte da mídia como "pornógrafa" após o lançamento de "O Caderno Rosa de Lori Lamby", "Contos d'Escárnio" e "Cartas de um Sedutor".
Entrevistas indignadas ajudaram a criar a imagem de "marginal", pois nelas Hilda afirmava que havia escrito os livros desbocados para tentar ganhar, finalmente, algum dinheiro.
O "golpe" não trouxe compensações pecuniárias à autora e ainda frustrou os leitores de banheiro, pois na verdade se oferecia lebre por gato. Na tradição iconoclasta de Georges Bataille e Henry Miller, a tal trilogia partia de sexo e escatologia para questionamentos de natureza metafísica, como de resto toda a obra da escritora.
Muitos palavrões, sim, mas nada que ver, por exemplo, com os romances de duas glórias pornográficas dos anos 60: Adelaide Carraro e Cassandra Rios, campeãs de vendagem e de leitura clandestina.
Hilda não conseguiu se tornar a nova Rios, pois é bem maior do que isso. Desde 1950, publicou 19 livros de poesia e dez em prosa da mais alta inspiração, incluindo os títulos do escândalo.
"Quem diz isso, precisa dizer mais", já dizia Cecília Meireles sobre seu segundo livro, "Balada de Alzira" (52). Sua escrita múltipla não deixou escapar nenhuma dimensão: são oito suas peças inéditas em livro, entre elas a premiada "O Verdugo" (69).
À época da prosa até hoje insuperada de "Fluxofloema" e "Qadós" (70/73), críticos de peso passaram e encher laudas de análises apaixonadas sobre essa escrita, entre eles Anatol Rosenfeld.
Há cerca de cinco anos, Hilda começou a obter reconhecimento dos europeus, o que deu algum alento à sua conturbada e mal administrada vida pessoal. Foi traduzida para o francês, pela editora Gallimard, italiano e alemão.
Porém um dos elogios mais certeiros partiu de um colega escritor, Caio Fernando Abreu, a quem ela acolheu em seu sítio próximo a Campinas: "Hipnótico, o discurso de Hilda envolve como águas -às vezes lodosas, às vezes claras- e numa vertigem nos arrasta, de susto em susto, cada vez mais perto daquilo que Joyce chamava de "o selvagem coração da vida", onde tudo pode acontecer".


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