São Paulo, quinta-feira, 20 de abril de 2000


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CINEMA ESTRÉIAS

'Villa-Lobos' e 'Magnólia' abrem feriado cinéfilo

"Magnólia" é a mãe dos filmes do vale

Divulgação
Tom Cruise (esq.), astro de "Magnólia", que entra hoje em cartaz; Julianne Moore (dir), em cena do filme de Paul Thomas Anderson


PAUL THOMAS ANDERSON
especial para "The New York Times"

Nasci no Vale de San Fernando. Por muitos anos, tive vergonha disso, pensando que se não fosse da grande cidade de Nova York ou das fazendas do Iowa não teria nada a dizer.
Jamais estive na guerra, como John Ford. Não venho da França, como François Truffaut. Não sou nem de Chicago, como David Mamet. Quando você é jovem e impressionável, é importante se assemelhar de algum modo àqueles que você admira.
Assim que me acomodei com a pessoa que sou e com o lugar de onde vim (e isso é outra história), descobri meu amor por Los Angeles. Mais importante -e, aos olhos de muitos, mais difícil de conseguir-, eu amo o Vale de San Fernando.
Cresci em Studio City. Não é tão chique quanto parece. Não há "estúdio" nenhum em Studio City. É uma área suburbana com casas, árvores e todo o resto. Os únicos filmes que se produz ali são pornográficos.
"Boogie Nights" tratava da pornografia nos anos 70 e 80, e isso ditou sua localização: o vale era a capital do cinema adulto.
Na infância, eu vivia cercado por essas filmagens pornô. Na região de Van Nuys, onde eu ia à escola secundária, havia armazéns, com placas nas portas. Mais ou menos um em cada quatro, porém, não tinha placa, e havia carros luxuosos estacionados em frente.
Para minha mente pervertida, isso queria dizer só uma coisa: pornografia estava sendo filmada ali. E eu estava certo.
Se você é precoce, jovem e tarado, o vale pode ser um ótimo lugar onde morar. Se aquilo que dá forma à sua juventude for bem canalizado, você talvez termine fazendo um filme sobre pornografia, e não um filme pornográfico. Acho que tive sorte.
Vivo a algumas casas de distância do local onde o clássico adulto "Amanda by Night" foi filmado.
É o equivalente pornô de morar perto da mansão de "Sunset Boulevard".
Durante a produção de "Boogie Nights", eu tive uma grande, grande sacada: eu queria que todas as locações ficassem a 15 minutos da minha casa.
Eu me perguntava onde gostaria de filmar minhas histórias. E a resposta era: "Perto". Isso é sinal de preguiça. Mas eu gosto da idéia e, se ela se enquadra à história, já não é mais preguiça.
O Vale de San Fernando sempre foi épico para mim. Eu assistia a "Lawrence da Arábia" e pensava no meu equivalente: Ventura Boulevard.
Na infância, eu usava minha câmera de vídeo para recriar cenas de filmes. Você se vira com aquilo que tem, e meu objetivo era tornar o vale cinematográfico. Parecia muito fácil, devido à minha frustração com a forma pela qual outros o haviam tentado.
Sempre que eu via filmes sobre Los Angeles ou sobre o vale, eles eram feitos por diretores que não vivem aqui, ou que filmam como se não morassem aqui.
Há aquela colagem obrigatória sobre Venice Beach, que supostamente representa tudo o que Los Angeles é -isso quer dizer cenas com gente esquisita, malucos, biquínis brilhantes, halterofilistas e skatistas.
Isso é completamente desconhecido para mim. Não faço a menor idéia de como chegar a Venice Beach, e se ela se parece mesmo com a imagem que a maioria dos filmes faz do lugar, então eu não tenho a menor vontade de ir até lá.
Nota do diretor: para um retrato realmente ridículo e impreciso de Los Angeles, você precisa incluir também a placa de Hollywood, o pessoal da moda em Melrose Avenue, os Cadillacs estacionados atrás do Hard Rock Cafe (atenção: não esqueça os outdoors em Sunset Strip).
Essas são coisas pelas quais você raramente passa se mora de verdade em Los Angeles.
Há dois exemplos fantásticos de filmes sobre Los Angeles. "The Long Goodbye" e "Chinatown". São impressionantes porque não eliminam a vida das locações.
Não há panorâmicas começando em prédios ou monumentos para abrir as cenas: elas simplesmente acontecem, e o que cerca os personagens é simplesmente o que está lá.
A câmera jamais desrespeita a locação. Isso deveria ser um objetivo. Eu sempre desconfio ao ouvir sobre uma cidade tratada "como um personagem". A cidade deve ser o pano de fundo de um filme, e os atores devem ser os personagens.
Esse tipo de manipulação da locação em geral termina ou sendo cortado na hora da edição ou deveria sê-lo, de qualquer modo.
Já fiz dois filmes em locação no vale de San Fernando. Na imaginação pop, isso usualmente quer dizer garotas estúpidas, shopping centers e cabelos enormes.
Mas não é o caso, na verdade. Bem, não exatamente. Sim, há garotas estúpidas, meninos bêbados, shopping centers e cortes de cabelo horrendos, mas o vale também tem o que há de mais próximo a uma "vida real" na região de Los Angeles.
É um subúrbio, mas um subúrbio da cidade do cinema. Não está infestado de tipos "cinematográficos" e caras que se acham o máximo. É quase normal, ou tão normal quanto possível para um lugar vizinho a Hollywood.
No meu novo filme, "Magnolia", eu quis fazer "a mãe de todos os filmes do Vale de San Fernando". Talvez eu consiga, porque a única concorrência parece ser minha, de qualquer forma.
Outro fator: quando você vai filmar em Los Angeles, locações podem ser um inferno. Subornos são aceitáveis, as pessoas são inteligentes e ninguém quer uma equipe de filmagem no jardim.
Filmando no vale, o problema não existe. A maior parte das locações já havia sido escolhida quando eu estava escrevendo o roteiro. Isso ajuda. Minha visão pode ser produzida, e eu posso dormir em casa. E, no fim, é isso o que importa. Fazer filmes já é difícil o bastante sem ter de dormir em uma cama diferente a cada noite. Prefiro ficar em casa.


Paul Thomas Anderson é diretor do filme "Magnólia"

Tradução Paulo Migliacci


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