São Paulo, quinta-feira, 20 de abril de 2000


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CINEMA ESTRÉIA

Zelito conta Villa nos 500 anos de Brasil

ALVARO MACHADO
especial para a Folha

"O difícil de hoje será o fácil de amanhã", profetiza a respeito de sua música um jovem Villa-Lobos (1887-1959), fervilhante de idéias ousadas, em cena de "Villa-Lobos, uma Vida de Paixão", filme semibiográfico do diretor cearense Zelito Viana, 61, que tem sessões de pré-estréia hoje e amanhã e entra com 50 cópias nas principais capitais e no interior.
Para Viana, que no "ontem" das décadas de 60 e 70 tinha trânsito fácil na produção e na direção do melhor do cinema novo brasileiro, a última produção revelou-se um "amanhã" duro demais.
A realização de "Villa-Lobos" estendeu-se por 15 anos, desde a redação do primeiro roteiro em 85, que precisou ser refeito dezenas de vezes. Três versões foram recusadas por júris de prêmios de estímulo ao cinema em meados dos anos 90, e a demora obrigou a uma reformulação de elenco, com Marcos Palmeira no lugar de Armando Bógus (Villa-Lobos).
Porém, o espinho maior veio já na reta final, em dezembro de 97, quando a produção viu-se às voltas com um inacreditável sequestro de rolos de película já fotografada. Artes do espertalhão brasileiro alcunhado João de Bartolo, que se ofereceu para finalizar detalhes técnicos em Los Angeles e depois exigiu pagamento de serviços superfaturados ou inexistentes.
Essa foi uma segunda derrota de Villa-Lobos na terra do cinema, se for lembrado que a cantata "Floresta Amazônica" foi traumaticamente adulterada pelos produtores que a encomendaram ("A Flor que Não Morreu", ou "Green Mansions", de 59).
"The negative story", como Viana fabuliza o episódio do sequestro, só foi resolvida com a contratação de detetive particular e de posterior batalha judicial, ganha pelo diretor em janeiro de 99 com o auxílio de caros advogados norte-americanos especializados. Viana perdeu um ano de trabalho e mais de US$ 100 mil.

Ontem
"São os nossos atuais dinossauros, com equipes mínimas de 120 pessoas", reclama o diretor. "Nos anos 60, a espontaneidade era maior, e a criatividade, idem", diz. Viana foi produtor-executivo de Walter Lima Jr. no clássico "Menino de Engenho" (1965) e parceiro de produção de Glauber Rocha em "Terra em Transe" (66) e "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro" (68), bem como dos diretores Joaquim Pedro de Andrade, Eduardo Coutinho e Cacá Diegues.
Nos anos 70, realizou, sob a égide da Embrafilme, títulos elogiados como "Os Condenados" (73), "Morte e Vida Severina" (76) e "Terra dos Índios" (78), encontrando tempo ainda para roteirizar comédias junto a seu irmão, Chico Anysio. Concluiu "Avaeté" (85), mais uma vez com tema indígena, e então "veio o Collor e tirou a escada, me deixando pendurado no pincel", lembra, sobre a extinção da estatal de cinema.
Viana, que credita "Villa" como seu melhor título, à frente mesmo de "Os Condenados" (climática adaptação de Oswald de Andrade), vaticina: "De agora em diante, será ainda mais difícil produzir, não por causas dos casos de Guilherme Fontes e Norma Bengell, que são coisa pouca perto do juiz Nicolau-Lalau, mas por causa da privatização das "Bras Brothers" (estatais brasileiras) e porque os bancos agora investem em si mesmos".
Empresas como a Petrobras financiaram 90% dos R$ 6 milhões consumidos pelo filme (principalmente em cenários, que abrangem cinco décadas, e na gravação da trilha sonora, com as composições do biografado interpretadas pela Orquestra Sinfônica Brasileira, regida por Sílvio Barbato, mais coro e solistas).
Se "Villa-Lobos" perdeu a oportunidade de comemorar o centenário do músico, em 87, ganha finalmente as telas nos dias de festejos pelos 500 Anos do Descobrimento, efeméride que certamente mereceria uma cantata avassaladora do maior compositor brasileiro, caso estivesse vivo e atuante.
Leia a seguir trechos da entrevista de Zelito Viana, acompanhado dos intérpretes Marcos Palmeira (seu filho) e Ana Beatriz Nogueira.

Folha - É verdade que o senhor ia fazer o filme com Glauber Rocha?
Zelito Viana -
Em 79, Glauber estava dirigindo "Claro" na Itália. Fui até lá e, como produtor, propus fazer um longa sobre Villa-Lobos. "Ótimo", ele disse, "você dirige; eu faço o Villa". Glauber ficaria perfeito, mas, como se sabe, morreu em 81.

Folha - Depois o namoro com o personagem continuou?
Viana -
Na verdade vinha desde de um "Concertos para a Juventude" dirigido pelo Boni na TV, em 77. Anos depois, contratei o roteirista Joaquim Assis (de "Roque Santeiro"), que também é um maestro.

Folha - Houve problemas com esse roteiro...
Viana -
Fomos tantas vezes recusados por júris de roteiro que me matriculei em seminário com o roteirista hollywoodiano Syd Field, que estava no Brasil em 94. Ele me disse que o roteiro era ótimo, mas o personagem fraco, muito passivo. De que maneira o furacão Villa poderia ser passivo? Fundi a cuca, mas ele tinha razão, e sugeriu muitas cenas nas quais o personagem age.

Folha - Que cuidados teve na pesquisa histórica?
Viana -
A chefe da equipe é Claudia Curiati. Levantamos tantos dados que até vai sair um livro nosso sobre o compositor ("Villa-Lobos", ed. Revan, Rio de Janeiro). Entrevistamos Mindinha (a segunda mulher), os intérpretes que o conheceram, e até a viúva do escritor Alejo Carpentier, um dos primeiros críticos que elogiaram.

Folha - Onde foram feitas as fusões digitais? Ficaram boas?
Viana -
Ela representam uma libertação para o diretor. Foram 11 mil fotogramas digitalizados em 8 minutos de filme. Custaram R$ 300 mil. Foram feitas no Rio pela Twister e gravadas em hard disk nos EUA.

Folha - Dizem que a primeira mulher do compositor, Lucília, o ajudava efetivamente na escritura. Em seu filme ela parece meio obtusa e "pentelha".
Ana Beatriz Nogueira -
(intérprete de Lucília, interrompendo) Não, ao contrário! Ela é a primeira a perceber que ele era um gênio. Suas correções de partitura são tecnicamente corretas. Ela continuou a dar aulas para que ele pudesse compor e depois foi abandonada. Isso lhe deu aquele travo de amargura, mas ela sempre o amou.

Folha - Zelito, como é dirigir o próprio filho?
Marcos Palmeira -
(respondendo pelo pai) Não entramos em canais pessoais, e ele me cobrava como aos demais atores. Houve respeito profissional mútuo. Muitos diretores acham que tudo o que ator diz é frescura, que toda necessidade vem de carência pessoal.

Folha - Marcos, você está habituado a estar ao lado de mulheres bonitas, como Ana Paula Arósio (namorada). Isso facilitou para fazer o sedutor Villa?
Palmeira -
Se o personagem fosse só isso, era mole. Mas eu nunca vi o Villa como um sedutor, apesar de todas as pessoas que conviveram falarem que ele era. Me prendi mais às suas contradições e deixei vir o lado da musicalidade. Investi em ser apaixonado pelo Brasil, como ele era, em assumir a sua aura de genialidade, porque a gente tende a não reconhecer o que é nosso como genial.


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