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CINEMA ESTRÉIA
Zelito conta Villa nos 500 anos de Brasil
ALVARO MACHADO
especial para a Folha
"O difícil de hoje será o fácil de
amanhã", profetiza a respeito de
sua música um jovem Villa-Lobos
(1887-1959), fervilhante de idéias
ousadas, em cena de "Villa-Lobos, uma Vida de Paixão", filme
semibiográfico do diretor cearense Zelito Viana, 61, que tem sessões de pré-estréia hoje e amanhã
e entra com 50 cópias nas principais capitais e no interior.
Para Viana, que no "ontem" das
décadas de 60 e 70 tinha trânsito
fácil na produção e na direção do
melhor do cinema novo brasileiro, a última produção revelou-se
um "amanhã" duro demais.
A realização de "Villa-Lobos"
estendeu-se por 15 anos, desde a
redação do primeiro roteiro em
85, que precisou ser refeito dezenas de vezes. Três versões foram
recusadas por júris de prêmios de
estímulo ao cinema em meados
dos anos 90, e a demora obrigou a
uma reformulação de elenco, com
Marcos Palmeira no lugar de Armando Bógus (Villa-Lobos).
Porém, o espinho maior veio já
na reta final, em dezembro de 97,
quando a produção viu-se às voltas com um inacreditável sequestro de rolos de película já fotografada. Artes do espertalhão brasileiro alcunhado João de Bartolo,
que se ofereceu para finalizar detalhes técnicos em Los Angeles e
depois exigiu pagamento de serviços superfaturados ou inexistentes.
Essa foi uma segunda derrota de
Villa-Lobos na terra do cinema, se
for lembrado que a cantata "Floresta Amazônica" foi traumaticamente adulterada pelos produtores que a encomendaram ("A Flor
que Não Morreu", ou "Green
Mansions", de 59).
"The negative story", como Viana fabuliza o episódio do sequestro, só foi resolvida com a contratação de detetive particular e de
posterior batalha judicial, ganha
pelo diretor em janeiro de 99 com
o auxílio de caros advogados norte-americanos especializados.
Viana perdeu um ano de trabalho
e mais de US$ 100 mil.
Ontem
"São os nossos atuais dinossauros, com equipes mínimas de 120
pessoas", reclama o diretor. "Nos
anos 60, a espontaneidade era
maior, e a criatividade, idem", diz.
Viana foi produtor-executivo de
Walter Lima Jr. no clássico "Menino de Engenho" (1965) e parceiro de produção de Glauber Rocha
em "Terra em Transe" (66) e "O
Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro" (68), bem como dos
diretores Joaquim Pedro de Andrade, Eduardo Coutinho e Cacá
Diegues.
Nos anos 70, realizou, sob a égide da Embrafilme, títulos elogiados como "Os Condenados" (73),
"Morte e Vida Severina" (76) e
"Terra dos Índios" (78), encontrando tempo ainda para roteirizar comédias junto a seu irmão,
Chico Anysio. Concluiu "Avaeté"
(85), mais uma vez com tema indígena, e então "veio o Collor e tirou a escada, me deixando pendurado no pincel", lembra, sobre
a extinção da estatal de cinema.
Viana, que credita "Villa" como
seu melhor título, à frente mesmo
de "Os Condenados" (climática
adaptação de Oswald de Andrade), vaticina: "De agora em diante, será ainda mais difícil produzir, não por causas dos casos de
Guilherme Fontes e Norma Bengell, que são coisa pouca perto do
juiz Nicolau-Lalau, mas por causa
da privatização das "Bras Brothers" (estatais brasileiras) e porque os bancos agora investem em
si mesmos".
Empresas como a Petrobras financiaram 90% dos R$ 6 milhões
consumidos pelo filme (principalmente em cenários, que abrangem cinco décadas, e na gravação
da trilha sonora, com as composições do biografado interpretadas
pela Orquestra Sinfônica Brasileira, regida por Sílvio Barbato, mais
coro e solistas).
Se "Villa-Lobos" perdeu a oportunidade de comemorar o centenário do músico, em 87, ganha finalmente as telas nos dias de festejos pelos 500 Anos do Descobrimento, efeméride que certamente
mereceria uma cantata avassaladora do maior compositor brasileiro, caso estivesse vivo e atuante.
Leia a seguir trechos da entrevista de Zelito Viana, acompanhado dos intérpretes Marcos
Palmeira (seu filho) e Ana Beatriz
Nogueira.
Folha - É verdade que o senhor ia fazer o filme com Glauber Rocha?
Zelito Viana - Em 79, Glauber
estava dirigindo "Claro" na Itália.
Fui até lá e, como produtor, propus fazer um longa sobre Villa-Lobos. "Ótimo", ele disse, "você
dirige; eu faço o Villa". Glauber ficaria perfeito, mas, como se sabe,
morreu em 81.
Folha - Depois o namoro com
o personagem continuou?
Viana - Na verdade vinha desde
de um "Concertos para a Juventude" dirigido pelo Boni na TV, em
77. Anos depois, contratei o roteirista Joaquim Assis (de "Roque
Santeiro"), que também é um
maestro.
Folha - Houve problemas com
esse roteiro...
Viana - Fomos tantas vezes recusados por júris de roteiro que
me matriculei em seminário com
o roteirista hollywoodiano Syd
Field, que estava no Brasil em 94.
Ele me disse que o roteiro era ótimo, mas o personagem fraco,
muito passivo. De que maneira o
furacão Villa poderia ser passivo?
Fundi a cuca, mas ele tinha razão,
e sugeriu muitas cenas nas quais o
personagem age.
Folha - Que cuidados teve na
pesquisa histórica?
Viana - A chefe da equipe é
Claudia Curiati. Levantamos tantos dados que até vai sair um livro
nosso sobre o compositor ("Villa-Lobos", ed. Revan, Rio de Janeiro). Entrevistamos Mindinha (a
segunda mulher), os intérpretes
que o conheceram, e até a viúva
do escritor Alejo Carpentier, um
dos primeiros críticos que elogiaram.
Folha - Onde foram feitas as
fusões digitais? Ficaram boas?
Viana - Ela representam uma libertação para o diretor. Foram 11
mil fotogramas digitalizados em 8
minutos de filme. Custaram R$
300 mil. Foram feitas no Rio pela
Twister e gravadas em hard disk
nos EUA.
Folha - Dizem que a primeira
mulher do compositor, Lucília, o
ajudava efetivamente na escritura. Em seu filme ela parece
meio obtusa e "pentelha".
Ana Beatriz Nogueira - (intérprete de Lucília, interrompendo)
Não, ao contrário! Ela é a primeira
a perceber que ele era um gênio.
Suas correções de partitura são
tecnicamente corretas. Ela continuou a dar aulas para que ele pudesse compor e depois foi abandonada. Isso lhe deu aquele travo
de amargura, mas ela sempre o
amou.
Folha - Zelito, como é dirigir o
próprio filho?
Marcos Palmeira - (respondendo pelo pai) Não entramos em canais pessoais, e ele me cobrava como aos demais atores. Houve respeito profissional mútuo. Muitos
diretores acham que tudo o que
ator diz é frescura, que toda necessidade vem de carência pessoal.
Folha - Marcos, você está habituado a estar ao lado de mulheres bonitas, como Ana Paula
Arósio (namorada). Isso facilitou
para fazer o sedutor Villa?
Palmeira - Se o personagem
fosse só isso, era mole. Mas eu
nunca vi o Villa como um sedutor, apesar de todas as pessoas
que conviveram falarem que ele
era. Me prendi mais às suas contradições e deixei vir o lado da
musicalidade. Investi em ser apaixonado pelo Brasil, como ele era,
em assumir a sua aura de genialidade, porque a gente tende a não
reconhecer o que é nosso como
genial.
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