São Paulo, sexta-feira, 20 de abril de 2001

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CRÍTICA

Personagens são aprisionadas em estereótipos habituais

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

"Andam falando por aí que existem dois eus. Um eu que é o "eu eu" e o outro que é o "eu outro'", diz uma das personagens de "Domésticas, o Filme". A alteridade, no entanto, serve aqui apenas para livrar as personagens de suas devidas responsabilidades. Invocando esse "outro eu", um jovem justifica o seu crime, e uma doméstica passa a trair, sem culpa, o marido.
Os publicitários/cineastas brasileiros parecem sofrer do mesmo tipo de "alteridade": vendem, como publicitários, carros e serviços à elite, mas, como cineastas, não elegem senão as personagens mais desfavorecidas (as mesmas excluídas pelo maravilhoso-mundo-novo-da-publicidade). Então, podem declarar sem culpa: "O cinema é o meu verdadeiro eu!".
No cinema contemporâneo brasileiro, o conflito "eu/outro" dos cineastas tem, invariavelmente, resultado na tematização de encontros improváveis entre as classes. Seja promovendo uma reconciliação efêmera ("O Primeiro Dia"), acentuando os conflitos ("Cronicamente Inviável") ou encenando uma comédia de erros ("Como Nascem os Anjos"), os cineastas brasileiros não deixam de procurar, ainda que tímida e indiretamente, a sua própria posição no processo social.
Não é esse o caso de "Domésticas". Realizado por dois dos mais renomados diretores de publicidade do país, Fernando Meirelles e Nando Olival, o filme pretende retratar o cotidiano das domésticas paulistanas, mas evita abordar o encontro destas com os patrões.
Em trânsito permanente entre a violenta periferia da cidade e a casa dos patrões, as domésticas paulistanas não deixam de evidenciar, em seu próprio cotidiano, a inevitabilidade do conflito social. Meirelles e Olival não omitem, de forma alguma, as contradições dessa realidade, mas evitam o conflito na medida em que não colocam todos os agentes do processo social em campo, fazendo dos patrões personagens extracampo, quase extra-humanos.
Em "Domésticas", a confrontação cede lugar ao fatalismo, à idéia de que ser empregada é uma sina. Os autores do filme podem não encampar essa visão, mas, no fundo, não fazem mais do que aprisionar a classe que enfocam aos estereótipos habituais.
A estética, o ritmo e o humor do filme não desmentem a formação publicitária de seus realizadores, mas são sobretudo as personagens que, perdidas talvez em algum ponto entre a ironia da autora da peça e a boa consciência dos diretores do filme, parecem aqui conformadas e até mesmo atravessadas pelos clichês do universo televisivo.


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