|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
Personagens são aprisionadas em estereótipos habituais
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
"Andam falando por aí
que existem dois eus. Um
eu que é o "eu eu" e o outro que é o
"eu outro'", diz uma das personagens de "Domésticas, o Filme". A
alteridade, no entanto, serve aqui
apenas para livrar as personagens
de suas devidas responsabilidades. Invocando esse "outro eu",
um jovem justifica o seu crime, e
uma doméstica passa a trair, sem
culpa, o marido.
Os publicitários/cineastas brasileiros parecem sofrer do mesmo
tipo de "alteridade": vendem, como publicitários, carros e serviços
à elite, mas, como cineastas, não
elegem senão as personagens
mais desfavorecidas (as mesmas
excluídas pelo maravilhoso-mundo-novo-da-publicidade). Então,
podem declarar sem culpa: "O cinema é o meu verdadeiro eu!".
No cinema contemporâneo
brasileiro, o conflito "eu/outro"
dos cineastas tem, invariavelmente, resultado na tematização de
encontros improváveis entre as
classes. Seja promovendo uma reconciliação efêmera ("O Primeiro
Dia"), acentuando os conflitos
("Cronicamente Inviável") ou encenando uma comédia de erros
("Como Nascem os Anjos"), os
cineastas brasileiros não deixam
de procurar, ainda que tímida e
indiretamente, a sua própria posição no processo social.
Não é esse o caso de "Domésticas". Realizado por dois dos mais
renomados diretores de publicidade do país, Fernando Meirelles
e Nando Olival, o filme pretende
retratar o cotidiano das domésticas paulistanas, mas evita abordar
o encontro destas com os patrões.
Em trânsito permanente entre a
violenta periferia da cidade e a casa dos patrões, as domésticas paulistanas não deixam de evidenciar, em seu próprio cotidiano, a
inevitabilidade do conflito social.
Meirelles e Olival não omitem, de
forma alguma, as contradições
dessa realidade, mas evitam o
conflito na medida em que não
colocam todos os agentes do processo social em campo, fazendo
dos patrões personagens extracampo, quase extra-humanos.
Em "Domésticas", a confrontação cede lugar ao fatalismo, à
idéia de que ser empregada é uma
sina. Os autores do filme podem
não encampar essa visão, mas, no
fundo, não fazem mais do que
aprisionar a classe que enfocam
aos estereótipos habituais.
A estética, o ritmo e o humor do
filme não desmentem a formação
publicitária de seus realizadores,
mas são sobretudo as personagens que, perdidas talvez em algum ponto entre a ironia da autora da peça e a boa consciência dos
diretores do filme, parecem aqui
conformadas e até mesmo atravessadas pelos clichês do universo
televisivo.
Avaliação:
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Texto Anterior: Crítica - Marcelo Rubens Paiva: Filme amplia debate social Próximo Texto: "A Mexicana": Brad Pitt arrisca-se como galã simpático Índice
|