São Paulo, sexta-feira, 20 de abril de 2001

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"SWEETIE"

Longa de Jane Campion revela o absurdo da condição humana

FLÁVIA CESARINO COSTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Sweetie" é o primeiro longa da neozelandesa Jane Campion, lançado em 89, mas que chega só agora ao Brasil. Aluna da Escola Nacional de Cinema da Austrália, Campion ganhou o Leão de Prata em Veneza, com "Um Anjo em Minha Mesa" (90), e o Leão de Ouro e o Oscar de melhor roteiro por "O Piano" (93).
"Sweetie" tem força de primeiro filme e discute as loucuras de uma família desajustada de classe média sem querer suavizar tensões e ganhar rapidamente o público. Os ambientes são fotografados de modo a criar uma sensação delirante de hiper-realidade encravada em situações cotidianas que se esperaria banais.
Dizem os psiquiatras que um membro mais fraco da família concentra as patologias dispersas no ambiente, cedendo às pressões de fazer o papel de louco, enquanto o resto procura fazer o teatro da improvável normalidade. É o caso de Sweetie, que com 20 e poucos anos não consegue romper esse círculo em que todos escondem suas melancolias.
A história é contada por Kay, irmã de Sweetie que, ao contrário, é muito pressionada a atuar normalmente, mas sofre todo o tempo as assombrações de infância e impedimentos que lhe tiram a capacidade de se expressar.
Uma vidente revela a Kay que ela se apaixonará por um homem com um ponto de interrogação no rosto. Ela vê no noivo de uma amiga uma mecha de cabelo em curva que parece confirmar a premonição e resolve casar com ele.
Mas Kay tem terror infantil a árvores, e, quando o marido resolve plantar uma no quintal, tudo se complica. Além disso, um dia a egoísta e perturbada Sweetie aparece na casa da irmã, acompanhada de um namorado que se diz seu produtor, agravando a crise.
Aos poucos percebe-se que o retorno de Sweetie é um lembrete incômodo do desarranjo familiar. Mas nós nos afeiçoamos aos personagens porque eles são um pouco como todos nós.
Há momentos muito engraçados e ao mesmo tempo tocantes, quando cada um tenta sobreviver com estratégias absurdas. A mãe resolve abandonar o pai, que mima a filha, e vai trabalhar de cozinheira num posto de beira de estrada. Kay arranca a árvore plantada pelo marido e começa a perder seu desejo sexual. O pai não sabe como organizar os pratos envoltos em papel filme, designados para cada dia da semana, que a mulher deixou no congelador antes de partir.
Nesse imbróglio, a aparição e as loucuras de Sweetie nem parecem tão absurdas. Absurda, como diz o filme, é a condição humana.


Flávia Cesarino Costa é professora da FAAP e autora de "O Primeiro Cinema" (Scritta, 1995)



Sweetie
Sweetie
   
Direção: Jane Campion
Produção: Austrália, 1989
Quando: a partir de hoje no Top Cine 2




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