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"ANIMAL TROPICAL"
Vida e ficção sendo uma coisa só
MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA
Atenção, este texto contém
linguagem chula, e não poderia ser diferente, devido ao estilo do autor resenhado, Pedro Juan
Gutiérrez, que, na vida como ela é,
mora em Havana Velha, na cobertura de um prédio de oito andares, e, apesar de casado, teve
um caso com a vizinha do sétimo,
uma morena provocante.
O romance proibido gerou uma
filha. Nesta vida como ela é, seus
romances "O Rei de Havana" e
"Trilogia Suja de Havana" são
proibidos em Cuba. Sua editora
brasileira, a Companhia das Letras, lança aqui seu livro novo,
"Animal Tropical", Prêmio Alfonso Garcia-Ramos de 2000.
Apesar de o autor informar que
é uma obra de ficção, o narrador,
Pedro Juan, é um escritor censurado em Cuba, mora em Havana
Velha, num prédio de oito andares, de onde vê o farol do Morro e
os navios zarpando e costuma
chamar Gloria pela janela, sua vizinha de baixo, uma morena de
seios pequenos, para enlouquecerem na cama. Ela é uma prostituta
que diz estar grávida do narrador.
A cada ano que passa, menos
entendo as mulheres. Sempre me
perguntei por que os livros de Gutiérrez fascinam o público feminino. Trata-se de um sedutor latino
com um apetite invejável. É aquele marinheiro que seduz meninas
em viagem de férias para locais
paradisíacos. Ou é aquele homem
bruto, animal tropical que realiza
as fantasias mais reprimidas.
A literatura de Gutiérrez é exuberantemente sexual. Na abertura
de "Animal Tropical", vem: "Sou
um sedutor. Eu sei. Assim como
existem os alcoólicos irrecuperáveis, os jogadores, os viciados em
cafeína, em nicotina, em maconha, os cleptomaníacos etc., sou
viciado em sedução". Ironicamente, é uma sorte para o autor
ser censurado no país em que (e
sobre o qual) escreve. Está livre
para narrar personagens reais, vizinhas calientes, sem a responsabilidade de ter de responder a um
processo. A vida e a literatura como uma coisa só. Como diz o narrador, "não consigo separar artificialmente o que faço e penso daquilo que escrevo".
Havana é uma personagem de
seu livro. A mística dessa cidade
lascívia, somada ao clima quente,
à decadência econômica, à falta
de perspectiva e ao bom humor,
sob o som das maracas e o gosto
de rum, colorem a narrativa despretensiosa e inteligente. "Um lugar estrepitoso onde nada fica
inalterado por muito tempo.
Aqui, tudo se desmancha entre as
mãos. Nada perdura. E é preciso
procurar mais. Todo dia", descreve, lembrando a negligência da cidade em que faltam água e luz,
mas não faltam boleros, maconha
e sexo. "Ama-se uma cidade
quando ali se foi feliz e se sofreu."
Pedro Juan está enlouquecendo
Agneta, uma leitora nórdica com
quem troca telefonemas abusados. "Seu livro me deixa muito inquieta", diz. Ela leu "Trilogia",
não consegue dormir, pergunta se
é tudo verdade, quer levá-lo para
a Suécia de qualquer jeito, especialmente depois de ele ter lhe enviado uma foto sua pelado, com o
membro túrgido. "Ah, sem-vergonha, toma, não aguento mais,
olha como sai, sem-vergonha, puta, sueca desgraçada...", ele diz para Agneta num telefonema em
que se masturba. E ela "adooora".
Faz parte.
Segundo Gutiérrez revelou à
Folha há um ano, ele, de fato, viveu um tórrido romance com
uma sueca quarentona de "tetas
grandes". Quando ela soube que
era personagem de "Animal Tropical", enviou uma carta dizendo
não perdoá-lo. Ele escreveu de
volta: "Deixe de tragédia que a vida é uma comédia".
Nenhum escritor deixa a sua vida de lado quando escreve. Os
personagens são, sim, inspirados
muitas vezes em pessoas reais. E
os fatos, sim, quase sempre aconteceram. Gutiérrez economiza
tempo. O narrador tem o seu nome, suas amantes são as da narrativa, sua casa é a mesma. Como
ele é uma figura fascinante e não
existe nada mais exótico do que
Havana, sua literatura seduz, embora, às vezes, pareça coisa para
gringo (ou sueca) ler.
Animal Tropical
Autor: Pedro Juan Gutiérrez
Tradução: José Rubens Siqueira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 32 (344 págs.)
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