São Paulo, sábado, 20 de abril de 2002

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"ANIMAL TROPICAL"

Vida e ficção sendo uma coisa só

MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA

Atenção, este texto contém linguagem chula, e não poderia ser diferente, devido ao estilo do autor resenhado, Pedro Juan Gutiérrez, que, na vida como ela é, mora em Havana Velha, na cobertura de um prédio de oito andares, e, apesar de casado, teve um caso com a vizinha do sétimo, uma morena provocante.
O romance proibido gerou uma filha. Nesta vida como ela é, seus romances "O Rei de Havana" e "Trilogia Suja de Havana" são proibidos em Cuba. Sua editora brasileira, a Companhia das Letras, lança aqui seu livro novo, "Animal Tropical", Prêmio Alfonso Garcia-Ramos de 2000.
Apesar de o autor informar que é uma obra de ficção, o narrador, Pedro Juan, é um escritor censurado em Cuba, mora em Havana Velha, num prédio de oito andares, de onde vê o farol do Morro e os navios zarpando e costuma chamar Gloria pela janela, sua vizinha de baixo, uma morena de seios pequenos, para enlouquecerem na cama. Ela é uma prostituta que diz estar grávida do narrador.
A cada ano que passa, menos entendo as mulheres. Sempre me perguntei por que os livros de Gutiérrez fascinam o público feminino. Trata-se de um sedutor latino com um apetite invejável. É aquele marinheiro que seduz meninas em viagem de férias para locais paradisíacos. Ou é aquele homem bruto, animal tropical que realiza as fantasias mais reprimidas.
A literatura de Gutiérrez é exuberantemente sexual. Na abertura de "Animal Tropical", vem: "Sou um sedutor. Eu sei. Assim como existem os alcoólicos irrecuperáveis, os jogadores, os viciados em cafeína, em nicotina, em maconha, os cleptomaníacos etc., sou viciado em sedução". Ironicamente, é uma sorte para o autor ser censurado no país em que (e sobre o qual) escreve. Está livre para narrar personagens reais, vizinhas calientes, sem a responsabilidade de ter de responder a um processo. A vida e a literatura como uma coisa só. Como diz o narrador, "não consigo separar artificialmente o que faço e penso daquilo que escrevo".
Havana é uma personagem de seu livro. A mística dessa cidade lascívia, somada ao clima quente, à decadência econômica, à falta de perspectiva e ao bom humor, sob o som das maracas e o gosto de rum, colorem a narrativa despretensiosa e inteligente. "Um lugar estrepitoso onde nada fica inalterado por muito tempo. Aqui, tudo se desmancha entre as mãos. Nada perdura. E é preciso procurar mais. Todo dia", descreve, lembrando a negligência da cidade em que faltam água e luz, mas não faltam boleros, maconha e sexo. "Ama-se uma cidade quando ali se foi feliz e se sofreu."
Pedro Juan está enlouquecendo Agneta, uma leitora nórdica com quem troca telefonemas abusados. "Seu livro me deixa muito inquieta", diz. Ela leu "Trilogia", não consegue dormir, pergunta se é tudo verdade, quer levá-lo para a Suécia de qualquer jeito, especialmente depois de ele ter lhe enviado uma foto sua pelado, com o membro túrgido. "Ah, sem-vergonha, toma, não aguento mais, olha como sai, sem-vergonha, puta, sueca desgraçada...", ele diz para Agneta num telefonema em que se masturba. E ela "adooora". Faz parte.
Segundo Gutiérrez revelou à Folha há um ano, ele, de fato, viveu um tórrido romance com uma sueca quarentona de "tetas grandes". Quando ela soube que era personagem de "Animal Tropical", enviou uma carta dizendo não perdoá-lo. Ele escreveu de volta: "Deixe de tragédia que a vida é uma comédia".
Nenhum escritor deixa a sua vida de lado quando escreve. Os personagens são, sim, inspirados muitas vezes em pessoas reais. E os fatos, sim, quase sempre aconteceram. Gutiérrez economiza tempo. O narrador tem o seu nome, suas amantes são as da narrativa, sua casa é a mesma. Como ele é uma figura fascinante e não existe nada mais exótico do que Havana, sua literatura seduz, embora, às vezes, pareça coisa para gringo (ou sueca) ler.


Animal Tropical    
Autor: Pedro Juan Gutiérrez
Tradução: José Rubens Siqueira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 32 (344 págs.)




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