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ANÁLISE
Temperamento clássico dá tom à obra de diretor
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Não há temperamento mais
antiglauberiano no cinema
novo do que o de Walter Lima Jr.,
lembra Carlos Alberto Mattos
com agudez.
Terá sido por isso que a obra de
Walter Lima foi relegada a um
respeitoso ostracismo? O Brasil é
apreciador de quem fala alto e forte, não importa o que fale. Glauber tinha consciência do que dizia
-por mais insano que parecesse-, mas era incapaz de abaixar
o tom de seus filmes. Walter Lima
também sabe o que diz, mas é incapaz de subi-lo.
Glauber se constitui no protótipo de uma arte barroca, exuberante, excessiva. Walter Lima é
possuidor de um temperamento
clássico, e seus filmes são marcados pela limpidez, pela ausência
de sobressaltos, por uma fluência
doce e regular.
Desde "Menino de Engenho"
(1965), sua obra se propõe como
um diálogo com os filmes recentes: ao adaptar o romance de José
Lins do Rego, Lima Jr. buscava ostensivamente dialogar com um
público amplo, rompendo com a
idéia de que cinema novo era sinônimo de cinema antipopular,
mas sem fazer por isso nenhuma
concessão.
Se "Brasil Ano 2000" (1969) busca, aliás sem muito sucesso, articular o estilo discreto às cores fortes da era tropicalista, e "A Lira do
Delírio" (1978) é uma tentativa
(muito elogiada, no mais) de fazer
um cinema mais espontâneo e
improvisado, é necessário reconhecer que os trabalhos realizados nessa fase são uma espécie de
hiato na evolução do diretor, cujo
estilo seria plenamente fixado na
década de 80.
"Inocência" (1983) e "Ele, o Boto" (1987), a seguir, são trabalhos
que buscam reencontrar o classicismo brasileiro. O primeiro,
adaptação do romance do Visconde de Taunay, parte de um argumento com que Humberto
Mauro presenteou Lima Barreto,
e chama a atenção não só pela tocada classicizante, como pela contenção com que a abordagem de
uma história profundamente sensual é feita.
Embora as menções a Mário
Peixoto e seu "Limite" em "Ele, o
Boto" sejam evidentes, também é
verdade que têm algo de postiço.
O temperamento de Walter Lima
rejeita o experimentalismo de
Peixoto, seu pendor estético
-sua idéia de classicismo é, nesse
sentido, profundamente voltada
para os Estados Unidos e muito
pouco vanguardista.
É nessa trilha que vamos reencontrá-lo nos anos 90, quando filma "A Ostra e o Vento" (1997),
baseado no romance de Moacir C.
Lopes.
Talvez mais interessante do que
esse seja "O Monge e a Filha do
Carrasco" (1995), filme tão torto
quanto fascinante: é uma co-produção baseada em romance de
Ambrose Bierce, falada em inglês
por um elenco brasileiro, rodada
em Minas, mas ambientado em
qualquer outro lugar que não o
Brasil.
Ao mesmo tempo é uma espécie
de secreto manifesto sobre o que
seja a concepção de cinema deste
diretor: uma arte que desconhece
fronteiras de nacionalidade ou de
época.
É paradoxal que um autor que,
filme após filme, mostrou-se tão
claramente brasileiro defenda a
universalidade de sua arte. Mas
não é de forma alguma contraditório. Ao negar a especificidade
nacional do cinema, Walter Lima
está na verdade negando que a
precariedade técnica, a ignorância histórica, o desleixo artesanal
sejam categorias definidoras da
brasilidade. Em bom português:
não existe qualquer glória em fazer cinema de má qualidade e,
menos ainda, em jogar a culpa
disso no país.
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