São Paulo, sábado, 20 de abril de 2002

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ANÁLISE

Temperamento clássico dá tom à obra de diretor

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Não há temperamento mais antiglauberiano no cinema novo do que o de Walter Lima Jr., lembra Carlos Alberto Mattos com agudez.
Terá sido por isso que a obra de Walter Lima foi relegada a um respeitoso ostracismo? O Brasil é apreciador de quem fala alto e forte, não importa o que fale. Glauber tinha consciência do que dizia -por mais insano que parecesse-, mas era incapaz de abaixar o tom de seus filmes. Walter Lima também sabe o que diz, mas é incapaz de subi-lo.
Glauber se constitui no protótipo de uma arte barroca, exuberante, excessiva. Walter Lima é possuidor de um temperamento clássico, e seus filmes são marcados pela limpidez, pela ausência de sobressaltos, por uma fluência doce e regular.
Desde "Menino de Engenho" (1965), sua obra se propõe como um diálogo com os filmes recentes: ao adaptar o romance de José Lins do Rego, Lima Jr. buscava ostensivamente dialogar com um público amplo, rompendo com a idéia de que cinema novo era sinônimo de cinema antipopular, mas sem fazer por isso nenhuma concessão.
Se "Brasil Ano 2000" (1969) busca, aliás sem muito sucesso, articular o estilo discreto às cores fortes da era tropicalista, e "A Lira do Delírio" (1978) é uma tentativa (muito elogiada, no mais) de fazer um cinema mais espontâneo e improvisado, é necessário reconhecer que os trabalhos realizados nessa fase são uma espécie de hiato na evolução do diretor, cujo estilo seria plenamente fixado na década de 80.
"Inocência" (1983) e "Ele, o Boto" (1987), a seguir, são trabalhos que buscam reencontrar o classicismo brasileiro. O primeiro, adaptação do romance do Visconde de Taunay, parte de um argumento com que Humberto Mauro presenteou Lima Barreto, e chama a atenção não só pela tocada classicizante, como pela contenção com que a abordagem de uma história profundamente sensual é feita.
Embora as menções a Mário Peixoto e seu "Limite" em "Ele, o Boto" sejam evidentes, também é verdade que têm algo de postiço. O temperamento de Walter Lima rejeita o experimentalismo de Peixoto, seu pendor estético -sua idéia de classicismo é, nesse sentido, profundamente voltada para os Estados Unidos e muito pouco vanguardista.
É nessa trilha que vamos reencontrá-lo nos anos 90, quando filma "A Ostra e o Vento" (1997), baseado no romance de Moacir C. Lopes.
Talvez mais interessante do que esse seja "O Monge e a Filha do Carrasco" (1995), filme tão torto quanto fascinante: é uma co-produção baseada em romance de Ambrose Bierce, falada em inglês por um elenco brasileiro, rodada em Minas, mas ambientado em qualquer outro lugar que não o Brasil.
Ao mesmo tempo é uma espécie de secreto manifesto sobre o que seja a concepção de cinema deste diretor: uma arte que desconhece fronteiras de nacionalidade ou de época.
É paradoxal que um autor que, filme após filme, mostrou-se tão claramente brasileiro defenda a universalidade de sua arte. Mas não é de forma alguma contraditório. Ao negar a especificidade nacional do cinema, Walter Lima está na verdade negando que a precariedade técnica, a ignorância histórica, o desleixo artesanal sejam categorias definidoras da brasilidade. Em bom português: não existe qualquer glória em fazer cinema de má qualidade e, menos ainda, em jogar a culpa disso no país.


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