São Paulo, segunda, 20 de abril de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PESQUISA
Projeto que reúne profissionais da Unicamp refaz trajeto que alemão percorreu entre os anos de 1824 e 1829
Expedição redescobre Brasil de Langsdorff

DÉBORA MENEZES
free-lance para a Folha Campinas

Pesquisadores da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e de outras instituições do país vão refazer, a partir de agosto, os caminhos de Georg Heinrich von Langsdorff (1774-1852), viajante responsável por uma expedição que percorreu 17 mil quilômetros pelo Brasil entre os anos de 1824 e 1829 documentando a flora, a fauna e costumes culturais.
A expedição, batizada por Langsdorff com seu nome, resultou em mais de 1.200 páginas de diários.
Além de observações científicas, o olhar aguçado do alemão naturalizado russo captou imagens do cotidiano brasileiro -das fazendas de Minas Gerais às tribos indígenas do Mato Grosso e da Amazônia- em material preparado para a realização de um estudo sociológico.
O projeto "Langsdorff de Volta" faz parte das comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil.
Existem centenas de aquarelas e croquis feitos pelos artistas Johann Moritz Rugendas, Aymé-Adrien Taunay e Hércules Florence, contratados por Langsdorff para fazer a documentação visual de toda a trajetória.
Durante a expedição, foi possível coletar cerca de 100 mil espécies de plantas, o que permitiu a identificação de pelo menos 15% da flora brasileira.
Redescoberta
Depois do término da viagem, que teve um desfecho dramático -homens doentes e Langsdorff com febre e perda de memória, por exemplo-, os diários do mentor da expedição permaneceram esquecidos em uma sala do Jardim Botânico de São Petersburgo, na Rússia.
Cem anos depois, em 1930, surpreendendo intelectuais russos por sua riqueza de conteúdo, o material foi redescoberto.

Irreconhecível
Várias equipes diferentes devem verificar as mudanças que ocorreram 150 anos depois do início da expedição. A expectativa dos pesquisadores é encontrar pela frente um país tão diversificado como difícil de reconhecer.
Nas palavras do próprio Langsdorff em seus diários, fica o alerta e o desafio: "Quero, com ênfase e insistência, alertar os futuros viajantes para as inúmeras dificuldades a que, inevitavelmente, terão de se sujeitar no Brasil".
A Associação Internacional de Estudos Langsdorff (AIEL) vai organizar as viagens, mas não deve participar de toda a trajetória brasileira, que inclui aproximadamente 350 localidades, entre vilas, povoados e fazendas.
O coordenador da AIEL, Danúzio Gil Bernardino da Silva, 36, disse que quer envolver pesquisadores de cada região por onde a nova expedição passar.
"A comunidade acadêmica de cada região do país conhece melhor do que ninguém o seu espaço e vai se responsabilizar pela coleta de dados, além de desenvolver um estudo comparativo da atualidade com a época de Langsdorff. Eles poderão até propor alternativas de desenvolvimento para a comunidade", afirmou.
Custo
Cada etapa da expedição deve custar, no mínimo, R$ 450 mil, que devem ser utilizados para cobrir gastos com bolsas de pesquisa, hospedagem, alimentação e condução das equipes.
Os grupos devem ser coordenados pela AIEL, na Unicamp. A associação já tem o apoio de empresas privadas que participaram do projeto de lançamento dos diários de Langsdorff, como a indústria de cosméticos Clarity By Luma de Oliveira, a JPX, a Siemens e a Engep. O projeto está solicitando também o apoio do Ministério de Ciências e Tecnologia e do Fundo Nacional de Meio Ambiente.
Em Minas Gerais, a expedição deve começar por Belo Horizonte e envolver 30 pesquisadores locais.
Em seguida, passa por cidades históricas como São João Del Rey, Ouro Preto e Sabará. Só em Minas, Langsdorff passou por diversos vilarejos e fazendas e conheceu a exploração do ouro feita no Estado.
Em seu diário, registrou que a extração de ouro parecia arrasar vales e morros tanto quanto se uma "tromba d'água" tivesse passado por cima deles.
Pelo menos seis meses serão gastos com as viagens e no mínimo um ano será consumido para organizar tudo o que foi registrado pelos participantes do projeto.
A próxima etapa, no Estado de São Paulo, está prevista para começar em 99. Em seguida, deverão ser feitas as expedições para o Mato Grosso e a mais difícil da aventura planejada por Langsdorff, na região amazônica.
Trabalho
Todo o material recolhido deve render livros, CD-ROMs, exposições e outros produtos.
No futuro, a associação quer reunir materiais sobre histórias referentes a outros viajantes que exploraram o Brasil e se transformar em um centro de referência sobre o assunto.
"Os relatos estão ganhando cada vez mais importância dentro da cultura do país", disse Danúzio da Silva.
Segundo ele, "muitos textos vêm carregados de vícios de uma visão pejorativa sobre o país".
"Nossa intenção é também elaborar um material crítico sobre isso", afirmou o pesquisador da Unicamp.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.