São Paulo, sábado, 20 de maio de 2000


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Livro traz fotos e textos de pessoas e lugares conhecidos do poeta, um dos pais do concretismo
Errâncias: Décio Pignatari retrata memórias próprias e alheias

Rubens Thomé Speltz/Folha Imagem
Décio Pignatari em Curitiba


CARLOS ADRIANO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em abril um poeta comemorou 50 anos de um percurso que descobriu novos continentes de invenção artística, para o país e para o mundo.
Décio Pignatari aguarda a reedição, atualizada, de sua obra poética completa, a sair agora pela editora Brasiliense. E está lançando "Errâncias" (editora Senac), "rigorosa seleção aleatória" de textos e fotos sobre pessoas e lugares. Uma "colagem autobiográfica de pedaços de biografias alheias" na qual cabem encontros com grandes pintores, como Alfredo Volpi e Tarsila do Amaral -de quem tirou retratos escondidos (veja ao lado)-, com escritores, como Jorge Luis Borges (outro "fotografado") e Oswald de Andrade, com cidades, como Lucca (Itália) e Kyoto (Japão).
Pignatari nasceu em 1927, em Jundiaí (SP), e viveu até os 25 anos em Osasco (SP). Após dois anos na Europa (entre 1954 e 1956), fixou-se na capital paulista. Cansado "da feiúra e do caos urbano de São Paulo", mudou para Curitiba (PR), onde vive desde 1999.
Poeta, tradutor, ensaísta, Pignatari prefere ser "designer da linguagem". De fato, pensou e projetou parâmetros novos para a criação e a comunicação com palavra, som e imagem. Autor de poemas como "Terra", "Organismo" e "Beba Coca-Cola", fundou, com Augusto e Haroldo de Campos, a poesia concreta (que tem como data de nascimento 4 de dezembro de 1956).
Crítico polêmico e de ponta, professor aposentado da USP e da PUC, ex-cronista de futebol e televisão, foi também publicitário e introduziu no Brasil, de modo sistemático, a semiótica, ou a teoria dos signos (signo = forma de representação das coisas).
Expert nos meios de comunicação de massa (traduziu o "Understanding Media" de Marshall McLuhan), formulou nos anos 60 uma "Teoria da Guerrilha Artística". Sua obra inclui um romance ("Panteros"), contos ("O Rosto da Memória"), ensaios ("Semiótica & Literatura", "Contracomunicação", "Semiótica da Arte e da Arquitetura"), traduções ("Retrato do Amor Quando Jovem", "31 Poetas 214 Poemas") e o CD "TemperaMental" (com os músicos Livio Tragtenberg e Wilson Sukorski).
Escreveu ainda uma audiofotonovela ("Desatinos do Destino") e o libreto da ópera "Issa", com música de Gilberto Mendes.
Ruminando a idéia de uma "cultura pós-nacionalista", Pignatari pinta quadros a têmpera e produz sua ideologia poética. Contra a média e a mediocridade da "geléia geral brasileira", o poeta radical mantém tenso o arco contra "o interdito do signo novo perturbador". E assim falou com exclusividade à Folha.

Folha - Em "Errâncias" você fala em "biobalanço". Sua poesia completa será reeditada. Como avalia esta atual confluência de trajetos?
Décio Pignatari -
Agrada-me essa conjunção de minha última prosa ensaística e de toda a minha poesia, tendo em vista uma avaliação mais ampla por parte dos leitores -aquela minoria à qual se destinam essas obras. Um fim de século que é conclusão de meio século de atuação e escritura.

Folha - Na inflação da Internet e no comércio de valores, como estão a "biodiversidade de signos" e a "permuta intersemiótica"?
Pignatari -
Na confusão dos inícios, estão os oportunismos delirantes e o leque de opções para o futuro. Os americanos dominam os meios das práticas intercambiais dos bens materiais e de serviços, mas não o software do alto repertório científico e cultural. Os Bill Gates terão de ajoelhar-se diante das finlândias. Na "enciclomídia" de Umberto Eco sempre haverá lugar para uma globalização quantitativa. E nesta, sempre, para minha amada Europa.

Folha - Você pensou vários campos do saber. Como vê a situação atual da crítica no Brasil?
Pignatari -
Na universidade, prevalece o "psicossociologoidismo conteudista", agora sob roupagens culturalistas; na imprensa cultural, um diletantismo mercadológico: "o maior crítico brasileiro da atualidade", "considerado o maior pintor brasileiro vivo" etc.

Folha - "Errâncias", "O Rosto da Memória" e "Panteros" mostram a mediação da imagem em seu processo poético e existencial. Após meia revolução na poesia e na prosa, quando será a vez do cinema?
Pignatari -
Profissionalmente, dirigi só um filme ("Anos 30: Entre Duas Guerras, Entre Duas Artes", em 89). Sou um roteirista, antes de mais nada. Estou retomando o roteiro de "Os Ratos", de Dyonélio Machado, para um jovem cineasta paulista...

Folha - Afinal, quando é que o guaraná vai virar Coca-Cola?
Pignatari -
Essa minha aspiração futurológica de mais de 40 anos entrou recentemente no registro de eventos possíveis (a guerra das cervejas). Casuísmos e folclore à parte, o Brasil não terá chance em campo algum se não cultivar a idéia de "design", especialmente design de produtos.
Seja no setor público, seja no privado, a parlapatice demagógica dos gestores ignorantes não consegue investir dois tostões em idéia nenhuma.

BORGES POR DÉCIO

"Conheci-o em março de 1976, na Universidade de Indiana (...). Perguntado sobre seus sentimentos ao compor, respondeu num inglês pronunciado entre Oxford e Belgrano: "When I write a poem, I am happy; when I write a short story, I am happy -but then, afterwards, I repent"."
EXTRAÍDO DE "Errâncias" (pág. 143)

TARSILA POR DÉCIO

"Palmas verdes batiam-se nos espelhos, mostrando/ocultando a enferma e os visitantes Haroldo, Aracy. A poucos meses da morte, dizia-se acamada, não doente. Como a voz lhe faltasse, murmurante na escassa vontade de falar, as remetências e lembrânsias se transferiam para o repórter."
EXTRAÍDO DE "Errâncias" (pág.22)



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