São Paulo, sábado, 20 de maio de 2000


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CRÍTICA

Livro divaga no plano concreto das imagens

ESPECIAL PARA A FOLHA

"Errâncias" revela a vida flagrada em fotografia. Divaga no plano concreto das imagens, acossadas pela iminência do fugaz e congeladas na emulsão química de um desejo de memória, emoção de um tempo vivido. O poeta deixou-se varar pelo que viveu, apontando ângulos para radiografar um prazer imanente.
A obra traz "quase-depoimentos, memórias, reflexões". Por compassos de "tempos desconexos", imprime-se a pose de gentes e lugares, graça de um "digitador de daguerreótipos" (expressão de Augusto de Campos sobre Julio Bressane).
Em cena, os poetas Augusto e Haroldo de Campos, João Cabral de Melo Neto, Ezra Pound. Os pensadores Charles Sanders Peirce, Roman Jakobson. Os pintores Alfredo Volpi, Tarsila do Amaral, Waldemar Cordeiro, Casemiro Fejer. Os escritores Valêncio Xavier, Oswald de Andrade, Jorge Luis Borges. Os músicos Rogério Duprat, Luigi Nono. O barão Senseaud De Lavaud. E muitos outros.
Duas partes encerram digressões "abstratas", livres do registro de fato e tempo. O amor e o "cérebro em expansão" (crianças olhando uma construção ecológico-futurista), no epílogo de figuras fragmentadas em negativo, gênese do pensamento e da imaginação.
Além do texto sofisticado, os capítulos revelam fotos instigantes em conceito e composição. Sua ordem funciona como a montagem de fotogramas de um filme.
"Vidraria" discorre sobre a Estrela Vermelha Produções, sonho adolescente de cinema, com raros fotogramas do filme inacabado "Ruínas para o Futuro" (o pintor Hermelindo Fiaminghi como ator de Eisenstein). "Noigandres" escala as sombras e os poetas (Décio, Haroldo, Augusto) que fundaram o grupo de mesmo nome, em 1952. Tomada como lema de pesquisa poética, a palavra (poderia ser "olor que livra do tédio") foi sacada de uma canção do trovador provençal Arnaut Daniel.
Jakobson é apalpado por uma mancha em primeiro plano, Cordeiro é diagramado numa foto com todas as figuras fora de foco, e Horylka é recortado por largas porções vazias. Tarsila é emoldurada em rugas e reflexos. Peirce no leito de morte é passagem da múmia em transe, emanação mental da lógica dos signos.
Entre a têmpera e a encaústica, Décio Pignatari não faz museu de cera com a memória ("modo de durar-me e perdurar-me"). Esse livro, em 2000, é sua odisséia no espaço-tempo. Périplo de poeta, entre a romaria e a errância.


Livro: Errâncias
    
Autor: Décio Pignatari
Editora: Senac
Quanto: R$ 32 (202 págs.)




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