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CRÍTICA
Livro divaga no plano concreto das imagens
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Errâncias" revela a vida
flagrada em fotografia. Divaga no plano concreto das imagens, acossadas pela iminência do
fugaz e congeladas na emulsão
química de um desejo de memória, emoção de um tempo vivido.
O poeta deixou-se varar pelo que
viveu, apontando ângulos para
radiografar um prazer imanente.
A obra traz "quase-depoimentos, memórias, reflexões". Por
compassos de "tempos desconexos", imprime-se a pose de gentes
e lugares, graça de um "digitador
de daguerreótipos" (expressão de
Augusto de Campos sobre Julio
Bressane).
Em cena, os poetas Augusto e
Haroldo de Campos, João Cabral
de Melo Neto, Ezra Pound. Os
pensadores Charles Sanders Peirce, Roman Jakobson. Os pintores
Alfredo Volpi, Tarsila do Amaral,
Waldemar Cordeiro, Casemiro
Fejer. Os escritores Valêncio Xavier, Oswald de Andrade, Jorge
Luis Borges. Os músicos Rogério
Duprat, Luigi Nono. O barão Senseaud De Lavaud. E muitos outros.
Duas partes encerram digressões "abstratas", livres do registro
de fato e tempo. O amor e o "cérebro em expansão" (crianças
olhando uma construção ecológico-futurista), no epílogo de figuras fragmentadas em negativo,
gênese do pensamento e da imaginação.
Além do texto sofisticado, os capítulos revelam fotos instigantes
em conceito e composição. Sua
ordem funciona como a montagem de fotogramas de um filme.
"Vidraria" discorre sobre a Estrela Vermelha Produções, sonho
adolescente de cinema, com raros
fotogramas do filme inacabado
"Ruínas para o Futuro" (o pintor
Hermelindo Fiaminghi como
ator de Eisenstein). "Noigandres"
escala as sombras e os poetas (Décio, Haroldo, Augusto) que fundaram o grupo de mesmo nome,
em 1952. Tomada como lema de
pesquisa poética, a palavra (poderia ser "olor que livra do tédio")
foi sacada de uma canção do trovador provençal Arnaut Daniel.
Jakobson é apalpado por uma
mancha em primeiro plano, Cordeiro é diagramado numa foto
com todas as figuras fora de foco,
e Horylka é recortado por largas
porções vazias. Tarsila é emoldurada em rugas e reflexos. Peirce
no leito de morte é passagem da
múmia em transe, emanação
mental da lógica dos signos.
Entre a têmpera e a encaústica,
Décio Pignatari não faz museu de
cera com a memória ("modo de
durar-me e perdurar-me"). Esse
livro, em 2000, é sua odisséia no
espaço-tempo. Périplo de poeta,
entre a romaria e a errância.
Livro: Errâncias
Autor: Décio Pignatari
Editora: Senac
Quanto: R$ 32 (202 págs.)
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