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TEATRO
Evento em São Paulo lembra "Eles Não Usam Black-Tie", de Gianfrancesco Guarnieri
Peça tem efeméride extemporânea aos 42
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Não se passaram 40, mas 42
anos, da primeira montagem de
"Eles Não Usam Black-Tie". A estréia não ocorreu em maio, mas
em fevereiro de 1958. E ainda assim, o acaso quis que uma efeméride extemporânea, programada
para a noite de anteontem, corroborasse o dia em que movimentos
grevistas, que se pensavam adormecidos, ressuscitassem nas ruas
de São Paulo.
Sentado na primeira fila do
mesmo Teatro de Arena Eugênio
Kusnet, na região central da cidade, o ator e dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri, 85, assistiu ao esquete montado por estudantes
com a última cena da peça. Vê-se
o personagem Tião, "filho fura-greve" que discorda da pregação
comunista do pai, Otávio, defensor da liberdade sindical e com
ojeriza a "pelegos".
Guarnieri interpretou tanto um
quanto o outro. No palco, aos 24
anos, fazia o papel do filho e ainda
não exibia o basto bigode, à Lech
Walesa, como o faria quase três
décadas depois, agora na pele do
pai, em versão para cinema de
"Eles Não Usam Black-Tie"
(1981), de Leon Hirszman.
Entre as 133 pessoas que ocuparam todos os lugares da platéia
-sem contar aquelas que se acomodaram no chão-, estavam
amigos que foram cúmplices da
histórica montagem de 1958,
aquela que tomou o trabalhador
como tema nobre na dramaturgia, conforme o crítico Décio de
Almeida Prado (1917-2000) observou à época.
"E isso foi feito sem demagogia,
sem distorção do aspecto artístico-literário", concorda o crítico literário Antonio Candido, 82. "Ele
conseguiu o mais difícil: conciliar
a verdade social do tema com a
excelência literária do texto."
José Renato, 74, que dirigiu a
primeira montagem, revela que
seu "namoro" com o então rapazote de 24 anos, que vinha da militância estudantil e tinha gana de
mudar o mundo, não foi mar de
rosas. "Tivemos muitas divergências, discussões e abraços", afirma
o encenador.
A atriz Lélia Abramo, 89, que interpretou Romana (a mãe de
Tião) em 1958, disse que havia
preparado um discurso entusiasta para o amigo, mas esmoreceu
ao longo daquela quinta-feira agitada."Na época, acreditávamos
que as denúncias serviriam para
alguma coisa, mas infelizmente
não avançamos nenhum passo",
diz.
Guarnieri, que foi homenageado pelo instituto Maurício Grabóis, discorda. Apesar da consciência dos abismos sociais (e
consciência de que também não
compactua com o panfleto pelo
panfleto), mostra-se otimista.
"No final da primeira apresentação, em 22 de fevereiro de 1958,
eu subi numa cadeira, lá no camarim, e fiz um discurso solene dizendo que jamais abandonaria as
idéias que me nortearam durante
a criação daquela peça", afirma.
O diretor César Vieira, 58, do
grupo Teatro União e Olho Vivo,
resume: "Guarnieri não fez uma
guinada para a esquerda, mas para o humanismo".
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