São Paulo, sábado, 20 de maio de 2000


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TEATRO
Evento em São Paulo lembra "Eles Não Usam Black-Tie", de Gianfrancesco Guarnieri
Peça tem efeméride extemporânea aos 42

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Não se passaram 40, mas 42 anos, da primeira montagem de "Eles Não Usam Black-Tie". A estréia não ocorreu em maio, mas em fevereiro de 1958. E ainda assim, o acaso quis que uma efeméride extemporânea, programada para a noite de anteontem, corroborasse o dia em que movimentos grevistas, que se pensavam adormecidos, ressuscitassem nas ruas de São Paulo.
Sentado na primeira fila do mesmo Teatro de Arena Eugênio Kusnet, na região central da cidade, o ator e dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri, 85, assistiu ao esquete montado por estudantes com a última cena da peça. Vê-se o personagem Tião, "filho fura-greve" que discorda da pregação comunista do pai, Otávio, defensor da liberdade sindical e com ojeriza a "pelegos".
Guarnieri interpretou tanto um quanto o outro. No palco, aos 24 anos, fazia o papel do filho e ainda não exibia o basto bigode, à Lech Walesa, como o faria quase três décadas depois, agora na pele do pai, em versão para cinema de "Eles Não Usam Black-Tie" (1981), de Leon Hirszman.
Entre as 133 pessoas que ocuparam todos os lugares da platéia -sem contar aquelas que se acomodaram no chão-, estavam amigos que foram cúmplices da histórica montagem de 1958, aquela que tomou o trabalhador como tema nobre na dramaturgia, conforme o crítico Décio de Almeida Prado (1917-2000) observou à época.
"E isso foi feito sem demagogia, sem distorção do aspecto artístico-literário", concorda o crítico literário Antonio Candido, 82. "Ele conseguiu o mais difícil: conciliar a verdade social do tema com a excelência literária do texto."
José Renato, 74, que dirigiu a primeira montagem, revela que seu "namoro" com o então rapazote de 24 anos, que vinha da militância estudantil e tinha gana de mudar o mundo, não foi mar de rosas. "Tivemos muitas divergências, discussões e abraços", afirma o encenador.
A atriz Lélia Abramo, 89, que interpretou Romana (a mãe de Tião) em 1958, disse que havia preparado um discurso entusiasta para o amigo, mas esmoreceu ao longo daquela quinta-feira agitada."Na época, acreditávamos que as denúncias serviriam para alguma coisa, mas infelizmente não avançamos nenhum passo", diz.
Guarnieri, que foi homenageado pelo instituto Maurício Grabóis, discorda. Apesar da consciência dos abismos sociais (e consciência de que também não compactua com o panfleto pelo panfleto), mostra-se otimista.
"No final da primeira apresentação, em 22 de fevereiro de 1958, eu subi numa cadeira, lá no camarim, e fiz um discurso solene dizendo que jamais abandonaria as idéias que me nortearam durante a criação daquela peça", afirma.
O diretor César Vieira, 58, do grupo Teatro União e Olho Vivo, resume: "Guarnieri não fez uma guinada para a esquerda, mas para o humanismo".


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