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MÚSICA
O cantor e compositor baiano lança CD com músicas do rei do baião
Para Gil, Gonzaga foi Lulu dos 50
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
"Luiz é a minha primeira e
maior influência musical", diz
Gilberto Gil, 57, ao justificar por
que acaba de revisitar oito das
canções popularizadas por Luiz
Gonzaga (1912-89) para o CD
"Gilberto Gil e as Canções de "Eu
Tu Eles'".
Projeto contíguo ao filme "Eu
Tu Eles", de Andrucha Waddington, o álbum retoma o fio de ligação do tropicalista com o do formatador do gênero baião, que Gil
define como pioneiro no formato
de "pop star" no Brasil.
Leia a seguir entrevista que o
cantor e compositor baiano, que
está em cartaz no Rio com o show
de lançamento do CD, preferiu
conceder por e-mail à Folha.
Folha - Como você definiria o que
fez com as canções regravadas de
Luiz Gonzaga? Você considera que
mais as modificou ou mais as manteve como eram?
Gilberto Gil - Eu mais as mantive
como eram nas versões originais
de Gonzaga, por várias razões.
Primeiro, porque são memória
atávica.
Luiz é a minha primeira e maior
influência musical. Sua maneira
de formatar as canções era extraordinariamente precisa e funcional, como genial músico, arranjador, intérprete e comunicador que era.
Com este disco, eu quis, antes de
tudo, prestar um tributo ao mestre. Até tenho brincado, nas minhas conversas com a imprensa,
referindo-me a ter feito, neste disco, um "transplante de coração":
eu canto com o coração musical
dele.
Notam-se, evidentemente, o filtro da suavidade bossa-novista e,
em alguns momentos, como em
"Qui Nem Jiló", matizes do pop-rock. No geral, é, sim, um disco
fiel ao estilo "gonzaguiano".
Folha - Como as referências trazidas por você, pela bossa nova e pelo tropicalismo penetram no universo de Luiz Gonzaga?
Gil - Na resposta à pergunta anterior, eu toquei no assunto, mas
deixe-me elaborar um pouco.
Bem, quanto à bossa nova, o
baião e o modo nordestino estão
na matriz de João Gilberto. Seu
samba é nitidamente permeado
por um sotaque de baião.
Tive a comprovação disso nas
minhas próprias experiências iniciais com a rítmica de João: só
consegui reproduzir a batida do
seu samba bossa nova quando
pensei no baião.
Se quisermos, poderemos ainda
considerar outros aspectos da afinidade entre os dois gêneros, mas
a questão rítmica talvez seja a
mais relevante.
Quanto a tropicalismo, pop-rock etc., basta lembrar que Luiz
Gonzaga foi o primeiro artista
brasileiro com design dessa natureza.
Fez, no início dos anos 50, uma
excursão por todas as grandes cidades do país, com figurino de
cangaceiro estilizado, patrocínio
de uma grande marca comercial,
transmissão dos concertos pelo
rádio, multidões enfeitiçadas
dançando nas praças repletas. Era
o Lulu Santos já naquela época.
Folha - "O Último Pau-de-Arara"
não era do repertório de Gonzaga.
De onde vem seu contato com a
canção e por que incluí-la?
Gil - De fato, Luiz nunca gravou
"O Último Pau-de-Arara". Eu a
incluí no disco porque achei que
era interpretada pela banda local
de forró que toca no filme.
Quando me certifiquei de que
não, resolvi mantê-la porque adoro a canção, que já foi gravada por
muita gente e que faz sentido no
repertório do disco.
É também uma forma de associá-la ao repertório de Gonzaga,
gravá-la por ele, para ele, agora.
Folha - "Casinha Feliz" tem o
mesmo nome de uma canção de
seu disco "Dia Dorim Noite Neon"
(85), mas não parece a mesma música. Há comunicação entre elas?
Gil - É a mesma canção, sim. Ela
aparece no filme em vários fragmentos, tocada na viola por Moreno Veloso e ao violão e ao acordeom por mim.
O pequeno trecho que escolhi
para fechar o disco é uma dessas
vinhetas interpretadas por mim
ao acordeom.
Folha - Não há certa ambiguidade
em o CD se chamar "As Canções de
"Eu Tu Eles'" e na verdade conter
músicas que em sua maioria não
estão no filme, ao menos nas versões gravadas no seu disco?
Gil - Só uma das músicas não está no filme, e ela é, exatamente, "O
Último Pau-de-Arara", como expliquei anteriormente.
Todas as demais aparecem no
filme, ou tocadas pelas bandas
que animam as festas filmadas ou
no radinho de pilha do Osias, personagem vivido pelo Lima Duarte. Além, é claro, do "Lamento
Sertanejo", que foi uma escolha
de Andrucha com que acabei concordando.
Folha - Por que você descreve
"Óia Eu Aqui de Novo" como "a"
música do repertório do Luiz Gonzaga que você sonhava gravar?
Gil - Dentre os xaxados criados
pelo Gonzaga, este é um dos mais
deliciosos.
Quando lançaram a caixa com a
bela coletânea de três CDs do
mestre, fiquei particularmente tocado pela música, seu exuberante
suingue, seu sotaque caribenho,
sua belíssima segunda parte de
corte bachiano. Desde então decidi que um dia viria a gravá-la.
Chegou a hora.
Show: Gilberto Gil e as Canções de "Eu Tu Eles"
Onde: Canecão (av. Venceslau Brás, 215, Botafogo, Rio, tel. 0/xx/21/543-1241)
Quando: hoje, às 22h, e amanhã, às 20h
Quanto: de R$ 15 a R$ 50
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