São Paulo, sábado, 20 de maio de 2000


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MÚSICA
O cantor e compositor baiano lança CD com músicas do rei do baião
Para Gil, Gonzaga foi Lulu dos 50

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Luiz é a minha primeira e maior influência musical", diz Gilberto Gil, 57, ao justificar por que acaba de revisitar oito das canções popularizadas por Luiz Gonzaga (1912-89) para o CD "Gilberto Gil e as Canções de "Eu Tu Eles'".
Projeto contíguo ao filme "Eu Tu Eles", de Andrucha Waddington, o álbum retoma o fio de ligação do tropicalista com o do formatador do gênero baião, que Gil define como pioneiro no formato de "pop star" no Brasil.
Leia a seguir entrevista que o cantor e compositor baiano, que está em cartaz no Rio com o show de lançamento do CD, preferiu conceder por e-mail à Folha.

Folha - Como você definiria o que fez com as canções regravadas de Luiz Gonzaga? Você considera que mais as modificou ou mais as manteve como eram?
Gilberto Gil -
Eu mais as mantive como eram nas versões originais de Gonzaga, por várias razões. Primeiro, porque são memória atávica.
Luiz é a minha primeira e maior influência musical. Sua maneira de formatar as canções era extraordinariamente precisa e funcional, como genial músico, arranjador, intérprete e comunicador que era.
Com este disco, eu quis, antes de tudo, prestar um tributo ao mestre. Até tenho brincado, nas minhas conversas com a imprensa, referindo-me a ter feito, neste disco, um "transplante de coração": eu canto com o coração musical dele.
Notam-se, evidentemente, o filtro da suavidade bossa-novista e, em alguns momentos, como em "Qui Nem Jiló", matizes do pop-rock. No geral, é, sim, um disco fiel ao estilo "gonzaguiano".

Folha - Como as referências trazidas por você, pela bossa nova e pelo tropicalismo penetram no universo de Luiz Gonzaga?
Gil -
Na resposta à pergunta anterior, eu toquei no assunto, mas deixe-me elaborar um pouco.
Bem, quanto à bossa nova, o baião e o modo nordestino estão na matriz de João Gilberto. Seu samba é nitidamente permeado por um sotaque de baião.
Tive a comprovação disso nas minhas próprias experiências iniciais com a rítmica de João: só consegui reproduzir a batida do seu samba bossa nova quando pensei no baião.
Se quisermos, poderemos ainda considerar outros aspectos da afinidade entre os dois gêneros, mas a questão rítmica talvez seja a mais relevante.
Quanto a tropicalismo, pop-rock etc., basta lembrar que Luiz Gonzaga foi o primeiro artista brasileiro com design dessa natureza.
Fez, no início dos anos 50, uma excursão por todas as grandes cidades do país, com figurino de cangaceiro estilizado, patrocínio de uma grande marca comercial, transmissão dos concertos pelo rádio, multidões enfeitiçadas dançando nas praças repletas. Era o Lulu Santos já naquela época.

Folha - "O Último Pau-de-Arara" não era do repertório de Gonzaga. De onde vem seu contato com a canção e por que incluí-la?
Gil -
De fato, Luiz nunca gravou "O Último Pau-de-Arara". Eu a incluí no disco porque achei que era interpretada pela banda local de forró que toca no filme.
Quando me certifiquei de que não, resolvi mantê-la porque adoro a canção, que já foi gravada por muita gente e que faz sentido no repertório do disco.
É também uma forma de associá-la ao repertório de Gonzaga, gravá-la por ele, para ele, agora.

Folha - "Casinha Feliz" tem o mesmo nome de uma canção de seu disco "Dia Dorim Noite Neon" (85), mas não parece a mesma música. Há comunicação entre elas?
Gil -
É a mesma canção, sim. Ela aparece no filme em vários fragmentos, tocada na viola por Moreno Veloso e ao violão e ao acordeom por mim.
O pequeno trecho que escolhi para fechar o disco é uma dessas vinhetas interpretadas por mim ao acordeom.

Folha - Não há certa ambiguidade em o CD se chamar "As Canções de "Eu Tu Eles'" e na verdade conter músicas que em sua maioria não estão no filme, ao menos nas versões gravadas no seu disco?
Gil -
Só uma das músicas não está no filme, e ela é, exatamente, "O Último Pau-de-Arara", como expliquei anteriormente.
Todas as demais aparecem no filme, ou tocadas pelas bandas que animam as festas filmadas ou no radinho de pilha do Osias, personagem vivido pelo Lima Duarte. Além, é claro, do "Lamento Sertanejo", que foi uma escolha de Andrucha com que acabei concordando.

Folha - Por que você descreve "Óia Eu Aqui de Novo" como "a" música do repertório do Luiz Gonzaga que você sonhava gravar?
Gil -
Dentre os xaxados criados pelo Gonzaga, este é um dos mais deliciosos.
Quando lançaram a caixa com a bela coletânea de três CDs do mestre, fiquei particularmente tocado pela música, seu exuberante suingue, seu sotaque caribenho, sua belíssima segunda parte de corte bachiano. Desde então decidi que um dia viria a gravá-la. Chegou a hora.


Show: Gilberto Gil e as Canções de "Eu Tu Eles"
Onde: Canecão (av. Venceslau Brás, 215, Botafogo, Rio, tel. 0/xx/21/543-1241)
Quando: hoje, às 22h, e amanhã, às 20h
Quanto: de R$ 15 a R$ 50


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